A França é, de fato, a mais pura representação do que o homem pós-moderno realmente representa. Não é uma visão agradável.
Por Regis Martin
Durante os 27 anos em que Karol Wojtyla reinou como Vigário de Cristo na Terra, um período sem precedentes que começou em 1978 e terminou com sua morte em 2005, ele conseguiu realizar muitas coisas, entre elas inúmeras visitas pastorais (129, para ser exato) ao redor do mundo, incluindo lugares que tinham apenas uma tênue ligação com o catolicismo. Mas de todas as terras e países tocados pela presença papal, havia três em particular que ele precisava visitar mais de uma vez.
Essas foram a Polônia, sua terra natal, para onde ele iria nove vezes, em grande parte para ajudar a pôr fim à hegemonia soviética na Europa. Em seguida, veio a França, filha primogênita da Igreja, para onde ele iria oito vezes, levantando repetidamente a questão de suas promessas batismais. Finalmente, havia os Estados Unidos, é claro, uma nação que nenhum papa poderia se dar ao luxo de não visitar, o que ele fez sete vezes, lembrando-nos a cada visita de não esquecermos de onde vieram nossas liberdades e por quê.
Mas, deixando de lado a Polônia e os Estados Unidos, por mais importantes que tenham sido essas visitas, parece-me que as oito visitas à França representam talvez o exercício mais consequente de todos — em termos, isto é, de tentar reorientar a alma da França de volta a Deus, àquela atração absoluta que todos nós perdemos há muito tempo graças ao pecado de Adão.
E, com esse objetivo, ele invariavelmente apontava para o sacramento do batismo como o meio necessário, o ponto de entrada perfeito, por assim dizer, no esforço da Igreja para reacender na alma precisamente aquela atração primordial que o Pecado Original quase extinguira por completo. E não apenas na alma individual, como se a relação com Deus fosse um assunto puramente privado, mas também nas formas exteriores da vida, que igualmente demonstram fome e sede de Deus, daquela plenitude de vida que só o batismo pode proporcionar. Aqui vemos a relevância duradoura dessa dimensão mais ampla e pública da vida humana que chamamos, com razão, de cultura.
A fé, em outras palavras, cuja própria encarnação cria a cultura, torna-se o ingrediente fundamental da história humana. "Uma sociedade que perdeu sua religião", adverte Christopher Dawson, "torna-se, mais cedo ou mais tarde, uma sociedade que perdeu sua cultura". E como é da própria essência da fé desejar elevar tudo o que diz respeito ao homem, incluindo a ordem social, e assim elevá-lo ao plano da glória, a Igreja não pode permanecer indiferente à cultura, não pode deixá-la em seu estado ferido e irredimível.
Mas por que o papa achou necessário ir à França com tanta frequência? Oito visitas a um país claramente e inegavelmente em declínio, aliás, em uma espécie de queda livre moral e, sim, até demográfica? Por que tanta atenção? Por que não simplesmente descartá-lo como mais um Estado falido, não muito diferente de tantos colapsos do terceiro mundo que vemos regularmente nos noticiários? Será que isso tem algo a ver com o fato de ela ser “a filha primogênita da Igreja”? E o que isso nos diz sobre o seu lugar na economia da graça? Quero dizer, o título honorífico ainda se aplica se uma nação parece ter caído em apostasia?
Mas esse é justamente o ponto, não é? A França é, de fato, a mais pura representação do que o homem pós-moderno realmente representa. Não é uma visão agradável. Uma nação sem Deus inevitavelmente se voltará contra si mesma, privando seu povo das proteções garantidas por Deus. E, portanto, se a Igreja conseguisse reconduzir a França à fonte de sua grandeza, à sua identidade em Cristo, detendo assim sua queda na infidelidade, quão maravilhosamente contagioso poderia ser esse retorno, trazendo outras nações outrora católicas de volta a Deus.
É bom lembrar que foi em sua primeira visita, em maio de 1980, que o Santo Padre falou da França de uma maneira singular, recordando-lhe o alto respeito que a história lhe dedica como a primogênita de todas as filhas da Igreja. E por quê? Porque, por ter sido a primeira entre os povos da Europa a abraçar a fé e a esperança em Jesus Cristo, ela não só tem o direito de usar essa coroa, como também foi enfaticamente exortada por Cristo a testemunhar esse fato evangelizando os outros.
E que uso ela fez disso senão para difundir a mensagem de Cristo por toda parte, incentivando seus vizinhos pagãos a fazerem o mesmo? Será que o povo francês ficou especialmente contente, imagino, por ter recebido uma mensagem de felicitações tão calorosa do papa e do bispo de Roma?
Ele voltaria a reacender essa chama particular do orgulho francês quando, em 1996, retornou para celebrar os 1.500 anos de sua identidade católico-cristã. Naquele dia dedicado à celebração do grande jubileu do batismo do rei franco Clóvis, no ano de 496, ele elogiou especialmente a França por sua atuação missionária no mundo, por ter produzido um acervo tão rico de santos e mártires ao longo de sua história.
Mas então, quando o papa estava prestes a concluir seu panegírico, o clima mudou repentinamente. “Querida França”, começou ele,
Permita-me fazer esta pergunta. Estamos aqui para celebrar o décimo quinto centenário de um batismo, que vocês gostam de considerar como o seu batismo, o batismo da França. O que vocês fizeram com o seu batismo? O que aconteceu com ele? O que vocês fizeram com o seu batismo?
Eis um quebra-gelo perfeito. E não foram poucos os franceses presentes que sentiram o impacto disso — incluindo, sobretudo, o próprio Presidente da França, Jacques Chirac, que se empenhou tanto em receber o Santo Padre em nome de uma “França republicana e laica”, apagando assim um milênio e meio de história francesa.
Se o evento do batismo de um rei, sua transformação em Cristo tanto para si quanto para todas aquelas tribos díspares que a divina providência lhe confiou para unir e cuidar, não deve ser descartado como irreal e, portanto, sem importância, então é um enorme erro histórico não reconhecer essa conexão. Isso demonstra a profunda ignorância de grande parte da França em relação ao seu próprio passado. Entre o governo e Deus, a cultura humana e a fé cristã, um nexo foi estabelecido há muito tempo, cujo fruto se tornou a Civilização Cristã Ocidental. Ao desconhecer esse fato, ou ao demonstrá-lo com desprezo e escárnio, a França fez a mais flagrante confissão de ignorância. Ela arrancou pela raiz a própria árvore em cujos galhos se apoiava há séculos.
Foi em agosto do ano seguinte, 1997, que o papa retornaria à sua filha mais velha, viajando desta vez a Paris para a Jornada Mundial da Juventude, durante a qual adotaria um tom muito diferente. Lá, ele discursou para milhares de jovens peregrinos entusiasmados.
“Vocês sabem”, perguntou ele, “o que o sacramento do batismo faz com vocês?” E respondeu:
Significa que Deus reconhece vocês como seus filhos e transforma a sua existência numa história de amor com Ele. Ele os conforma a Cristo para que possam cumprir a sua vocação pessoal. Ele veio fazer uma aliança com vocês e oferece-lhes a Sua paz. Vivam, a partir de agora, como filhos da luz, sabendo que estão reconciliados pela Cruz do Salvador!
O que os jovens franceses poderão fazer com as promessas que receberam no batismo? E o que faremos com as nossas?
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Autor
Fonte - crisismagazine

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