segunda-feira, 30 de maio de 2011

A ancestral Igreja na Etiópia

Entrevista com o arcebispo de Addis Abeba 

ROMA, domingo, 29 de maio de 2011 (ZENIT.org) - A Igreja na Etiópia remonta ao apóstolo Felipe, que, conforme os Atos dos Apóstolos, batizou um etíope. O país mantém até hoje a maioria cristã, embora apenas 1% do povo seja católico.

O arcebispo da capital Addis Abeba e presidente da Conferência Episcopal da Etiópia e da Eritreia, Berhneyesus Souraphiel, conversa com o programa de televisão Deus chora na Terra, da Catholic Radio and Television Network (CRTN), em colaboração com Ajuda à Igreja que Sofre.
- A Etiópia é mencionada 78 vezes na Bíblia e foi o segundo país a reconhecer oficialmente o cristianismo. A Igreja na Etiópia é uma das mais antigas do mundo. E hoje, como está a Igreja etíope?
Dom Souraphiel: A Igreja da Etiópia remonta aos tempos apostólicos, quando Felipe batizou o eunuco etíope. Ela é mencionada no capítulo oitavo dos Atos dos Apóstolos. Virou religião do estado oficialmente, no século IV. O primeiro bispo, São Frumêncio, foi ordenado por Santo Atanásio de Alexandria. Com esse primeiro bispo, que foi um sírio, a Etiópia se tornou oficialmente um país cristão. Foi o segundo país que declarou o cristianismo como religião do estado, depois da Armênia.
- E como é a vida dos fiéis de hoje?
Dom Souraphiel: É surpreendente dizer isso, mas o cristianismo é tão inculturado que não dá mais para separar a cultura e a religião na Etiópia. As pessoas vivem a religião, está no sangue, está na nossa história. Ela está na terra da Etiópia porque os monges, no século IX, construíram muitos mosteiros e traduziram muitos escritos espirituais de várias línguas para o etíope; então as pessoas compreenderam o cristianismo desde o início na sua própria língua.
- Os cristãos representam 60% da população, mas os católicos só 1%. Quais são as tradições cristãs que existem na Etiópia?
Dom Souraphiel: Os cristãos são a maioria na Etiópia. A Igreja ortodoxa tem cerca de 44%, os protestantes uns 18%, os católicos 1%. Ou seja, 62% da população é cristã. A Etiópia sempre perseverou como um país cristão, e isso é por proteção divina, como nós dizemos. Se você olhar, vários antigos países cristãos, do Egito até Marrocos, todo o norte da África, onde nós temos grandes santos como Agostinho, Tertuliano, Cipriano, eles não têm mais a maioria cristã. Como nós dizemos na Etiópia, aqui continua sendo um país de maioria cristã, graças à proteção de Deus e de Nossa Senhora.
- É interessante, porque o islã, desde o começo, procurou refúgio na Etiópia, por causa da perseguição, e a Etiópia foi o único país que acolheu os seguidores de Maomé...
Dom Souraphiel: Pois é. Quando o profeta Maomé foi perseguido em Meca e não sabia para onde mandar os seguidores dele, para salvá-los, o primeiro país que ele pensou foi a Etiópia. Ele falou para eles: “Vão para a Etiópia, lá tem um imperador cristão. Ele vai receber vocês e vocês ficam lá até as coisas melhorarem”. Eles vieram para cá e foram bem recebidos. Graças a esse acolhimento, está escrito no Hadith: “Não toqueis os etíopes. Não toqueis o país dos elefantes. Eles foram bons para conosco”. E é assim, tradicionalmente, historicamente, existe uma coexistência pacífica entre os muçulmanos e os cristãos aqui na Etiópia.
- Todo cristão na Etiópia, no batismo, recebe um mateb. O que é o mateb e o que ele significa?
Dom Souraphiel: O mateb é um cordão que se usa no pescoço. Ele é entregue no batismo, a pessoa usa sempre, é um sinal de quem é cristão. Não importa se é praticante, se vai à igreja; é cristão. E qualquer um que vê o mateb sabe que aquela pessoa é um cristão, que segue as normas cristãs, que cumpre os mandamentos da Igreja, como o jejum, etc. É um sinal externo de quem é cristão.
- É comum os etíopes tatuarem a cruz no pulso. É uma tradição só dos ortodoxos ou dos católicos também?
Dom Souraphiel: Dos ortodoxos, principalmente. Veja só, a cruz é um sinal de vitória para os cristãos, Cristo destruiu o pecado e a morte. Na Etiópia a cruz está em toda parte, em cima das igrejas, em cima das casas, nas tatuagens na testa ou na mão, na roupa das pessoas, nos escritos, manuscritos. Existem mais de duzentos desenhos da cruz etíope. Os sacerdotes seguram a cruz na mão para as pessoas beijarem e venerarem. Nós celebramos a Festa do Achado da Cruz, que nos lembra que a rainha Helena, a mãe de Constantino, achou três cruzes numa escavação em Jerusalém e descobriu a verdadeira cruz em que Jesus foi crucificado, através da cura de um doente. A cruz tem um papel enorme na Etiópia, e uma parte da cruz verdadeira está num dos mosteiros da Etiópia, o Gishen Mariam.
- A Etiópia também carrega muitas cruzes. É um dos países mais pobres do mundo. Quais são os desafios concretos hoje na Etiópia?
Dom Souraphiel: O maior desafio é a pobreza material. A população aumentou. A Etiópia tem cerca de 80 milhões de pessoas, e a seca e a fome, além dos conflitos, da guerra civil, viraram as grandes cruzes da Etiópia. A Etiópia passou muita fome durante muito tempo. O problema número um na Etiópia é a pobreza, como derrotar a pobreza. É isso que o governo está tentando fazer e o que a Igreja quer vencer.
- A Igreja oferece 90% dos serviços sociais na Etiópia. Como ela pode ser tão ativa, apesar de ser minoritária?
Dom Souraphiel: Você tem razão; a Igreja católica é uma minoria, cerca de 1%, e realiza a maior parte dos serviços sociais: centros de saúde, escolas e centros sociais. A Igreja começou buscando e perguntando: que necessidades tem a Etiópia? As necessidades estão, evidentemente, relacionadas com a pobreza. Por exemplo, se uma criança de menos de cinco anos não tem acesso a água potável, morrerá, porque a água potável pra ela é fundamental. Os que superam os cinco anos normalmente têm garantido viver até os 48 ou 50 anos – que é a expectativa de vida na Etiópia. A Igreja luta pela vida. As crianças precisam de educação. Temos mais de 200 escolas na Etiópia, sobretudo nas zonas rurais.
- O governo tem confiança no trabalho.
Dom Souraphiel: Sim, porque não há discriminação. Os serviços oferecidos pela Igreja estão abertos a todos – cristãos e muçulmanos.
- Foi concedido à Igreja um maior espaço devido aos serviços que presta ao país?
Dom Souraphiel: É um desafio para os católicos: ser testemunhas da doutrina social da Igreja, ser bons vizinhos, respeitar os demais, e fazer mais, porque as expectativas da Igreja são altas. Gostaria de agradecer ao apoio da Igreja universal. Trabalhamos junto à Igreja universal e junto a todos que estão com ela, como, por exemplo, Ajuda à Igreja que Sofre. Apoiam-nos em muitos projetos que temos, em todas as dioceses, e podemos fazer esse trabalho graças a nossos benfeitores na Europa e nos Estados Unidos.
- Que contribuição a Igreja na África pode dar à Igreja universal?
Dom Souraphiel: Eu diria que seus valores. A Igreja na África tem os valores familiares. A família é muito importante. Recordo o Santo Padre em Camarões. Nós o recebemos e nos alegramos de ver tantos africanos o acolhendo no estádio. O arcebispo de Yaoundé disse-lhe: “Sabe, santidade, na África, chamados os bispos de avôs, e o senhor é nosso bisavô”. O Papa estava feliz. Temos respeitos pelos pais, pelos nossos anciãos, por nossos antepassados e por todos que nos cercam. Todo ser humano tem um valor, que não se pode medir só por coisas materiais. A África pode contribuir com esse valor para o mundo.
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Esta entrevista foi realizada por Mark Riedemann para "Deus chora na terra", um programa rádio-televisivo semanal produzido por ‘Catholic Radio and Television Network', (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.
Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt.


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