Papa reflete sobre o profeta Elias na catequese de hoje
CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 15 de junho de 2011 (ZENIT.org) - A idolatria é um engano que leva o homem a não sair do círculo de si mesmo para encontrar-se com Deus, ou seja, para rezar realmente, segundo explicou hoje o Papa Bento XVI, durante a audiência geral.
Seguindo com seu ciclo de catequeses sobre a oração, o Santo Padre quis apresentar hoje o episódio bíblico do profeta Elias e seu enfrentamento com os 450 profetas de Baal no Monte Carmelo, para demonstrar quem era o Deus verdadeiro.
“Onde Deus desaparece – afirmou –, o homem cai na escravidão de idolatrias, como mostraram, em nossa época, os regimes totalitários, e como mostram também diversas formas de niilismo, que tornam o homem dependente de ídolos, de idolatrias, o escravizam.”
No entanto, acrescentou, “a verdadeira adoração de Deus, então, é doar-se a Deus e aos homens, a verdadeira adoração é o amor. E a verdadeira adoração de Deus não destrói, mas renova, transforma”.
O ídolo é uma “realidade enganosa”, explicou o Pontífice, pois “está pensado pelo homem como algo de que se pode dispor, que se pode gestionar com as próprias forças, a que se pode aceder a partir de si mesmos e da própria força vital”.
“A adoração do ídolo, ao invés de abrir o coração humano à Alteridade, a uma relação libertadora que permita sair do espaço estreito do próprio egoísmo para aceder a dimensões de amor e de dom mútuo, fecha a pessoa no círculo exclusivo e desesperador da busca de si mesma.”
Este engano, afirmou, “é tal que, adorando o ídolo, o homem se vê obrigado a ações extremas, na tentativa ilusória de submetê-lo à sua própria vontade”.
Elias e o fogo de Deus
Elias “se dirige ao Senhor chamando-o de Deus dos Pais, fazendo memória implícita, assim, das promessas divinas e da história de eleição e de aliança que uniu indissoluvelmente o Senhor e o seu povo”.
Assim, coloca o povo “diante da sua própria verdade” de eleito por Deus e “pede que também a verdade do Senhor se manifeste e que Ele intervenha para converter Israel, afastando-o do engano da idolatria e levando-o, assim, à salvação”.
E isso foi o que aconteceu: “caiu o fogo do Senhor, que devorou o holocausto, a lenha, as pedras e a poeira, e secou a água que estava no rego. Vendo isto, o povo todo prostrou-se com o rosto em terra, exclamando: “É o Senhor que é Deus, é o Senhor que é Deus!”.
Por isso, concluiu o Papa, “o objetivo primário da oração é a conversão: o fogo de Deus que transforma nosso coração e nos torna capazes de vê-Lo e, assim, de viver segundo Deus e de viver para o outro”.
“Certamente, o fogo de Deus, o fogo do amor queima, transforma, purifica, mas precisamente assim não destrói, e sim cria a verdade do nosso ser, recria nosso coração. E assim, realmente vivos pela graça do fogo do Espírito Santo, do amor de Deus, somos adoradores em espírito e verdade”, concluiu.
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Catequese do Papa: a oração de Elias e o fogo de Deus. Intervenção na audiência geral de hoje
Apresentamos, a seguir, a catequese dirigida pelo Papa aos grupos de peregrinos do mundo inteiro, reunidos na Praça de São Pedro para a audiência geral.
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Queridos irmãos e irmãs:
Na história religiosa do antigo Israel, os profetas tiveram grande relevância, com seus ensinamentos e sua pregação. Entre eles, surge a figura de Elias, suscitado por Deus para levar o povo à conversão. Seu nome significa “o Senhor é meu Deus” e é de acordo com este nome que se desenvolve toda a sua vida, consagrada inteiramente a provocar no povo o reconhecimento do Senhor como único Deus. De Elias o Eclesiástico diz: “O profeta Elias surgiu como o fogo, e sua palavra queimava como tocha” (Eclo 48,1). Com esta chama, Israel volta a encontrar seu caminho rumo a Deus. Em seu ministério, Elias reza: invoca o Senhor para que devolva a vida ao filho de uma viúva que o havia hospedado (cf. 1Re 17,17-24), grita a Deus seu cansaço e sua angústia, enquanto foge pelo deserto, jurado de morte pela rainha Jezabel (cf. 1Re 19,1-4), mas sobretudo no monte Carmelo, onde se mostra todo o seu poder de intercessor, quando, diante de todo Israel, reza ao Senhor para que se manifeste e converta o coração do povo. É o episódio narrado no capítulo 18 do Primeiro Livro dos Reis, no qual hoje nos deteremos.
Encontramo-nos no reino do Norte, no século IX antes de Cristo, em tempos do rei Ajab, em um momento em que Israel havia se criado uma situação de aberto sincretismo. Junto ao Senhor, o povo adorava Baal, o ídolo tranquilizador de quem se acreditava que vinha o dom da chuva e a quem, por isso, se atribuía o poder de dar fertilidade aos campos e vida aos homens e às bestas. Ainda pretendendo seguir o Senhor, Deus invisível e misterioso, o povo buscava segurança também em um deus compreensível e previsível, de quem acreditava poder obter fecundidade e prosperidade em troca de sacrifícios. Israel estava cedendo à sedução da idolatria, a contínua tentação do crente, figurando-se poder “servir a dois senhores” (cf. Mt 6,24; Lc 16,13) e de facilitar os caminhos inescrutáveis da fé no Onipotente, colocando sua confiança também em um deus impotente feito por homens.
Precisamente para desmascarar a necedade enganosa dessa atitude, Elias reúne o povo de Israel no monte Carmelo e o coloca diante da necessidade de fazer uma escolha: “Se o Senhor é o verdadeiro Deus, segui-o; mas, se é Baal, segui a ele” (1Re 18, 21). E o profeta, portador do amor de Deus, não deixa sua gente sozinha diante desta escolha, mas o ajuda, indicando o sinal que revelará a verdade: tanto ele como os profetas de Baal prepararão um sacrifício e rezarão, e o verdadeiro Deus se manifestará respondendo com o fogo que consumirá a oferenda. Começa assim a confrontação entre o profeta Elias e os seguidores de Baal, que na verdade é entre o Senhor de Israel, Deus de salvação e de vida, e o ídolo mudo e sem consistência, que não pode fazer nada, nem para bem nem para mal (cf. Jr 10,5). E começa também a confrontação entre duas formas completamente diferentes de dirigir-se a Deus e de rezar.
Os profetas de Baal, de fato, gritam, agitam-se, dançam, pulam, entram em um estado de exaltação, chegando a fazer-se incisões no corpo, “com espadas e lanças, até o sangue escorrer” (1Re 18,28). Usam a si mesmos como recurso para interpelar o seu deus, confiando em suas próprias capacidades de provocar sua resposta. Revela-se assim a realidade enganosa do ídolo: este está pensado pelo homem como algo de que se pode dispor, que se pode gestionar com as próprias forças, a que se pode aceder a partir de si mesmos e da própria força vital. A adoração do ídolo, ao invés de abrir o coração humano à Alteridade, a uma relação libertadora que permita sair do espaço estreito do próprio egoísmo para aceder a dimensões de amor e de dom mútuo, fecha a pessoa no círculo exclusivo e desesperador da busca de si mesma. E o engano é tal que, adorando o ídolo, o homem se vê obrigado a ações extremas, na tentativa ilusória de submetê-lo à sua própria vontade. Por isso, os profetas de Baal chegam até a causar-se dano, a retalhar-se, em um gesto dramaticamente irônico: para obter uma resposta, um sinal de vida do seu deus, eles se cobrem de sangue, recobrindo-se simbolicamente de morte.
Muito diferente é a atitude de oração de Elias. Ele pede ao povo que se aproxime, envolvendo-o assim em sua ação e em sua súplica. O objetivo do desafio dirigido por ele aos profetas de Baal era o de voltar a levar a Deus o povo que se havia extraviado seguindo os ídolos; por isso, quer que Israel se una a ele, convertendo-se em partícipe e protagonista da sua oração e do que está acontecendo. Depois, o profeta erige um altar, utilizando, como recita o texto, “doze pedras, segundo o número das doze tribos dos filhos de Jacó, a quem Deus tinha dito: 'Teu nome será Israel'” (v. 31). Essas pedras representam todo Israel e são a memória tangível da história de eleição, de predileção e de salvação de que o povo foi objeto. O gesto litúrgico de Elias tem uma repercussão decisiva; o altar é o lugar sagrado que indica a presença do Senhor, mas essas pedras que o compõem representam o povo, que agora, por mediação do profeta, está colocado simbolicamente diante de Deus, converte-se em “altar”, lugar de oferenda e de sacrifício.
Mas é necessário que o símbolo se converta em realidade, que Israel reconheça o verdadeiro Deus e volte a encontrar sua própria identidade de povo do Senhor. Por isso, Elias pede a Deus que se manifeste, e essas doze pedras, que deveriam recordar a Israel sua verdade, servem também para recordar ao Senhor sua fidelidade, à qual o profeta apela na oração. As palavras da sua invocação são densas em significado e em fé: “Senhor, Deus de Abraão, de Isaac e de Israel, mostra hoje que tu és Deus em Israel, e que eu sou teu servo e que é por ordem tua que fiz estas coisas. Ouve-me, Senhor, ouve-me, para que este povo reconheça que tu, Senhor, és Deus, e que és tu que convertes o seu coração!” (v. 36-37; cf. Gn 32, 36-37). Elias se dirige ao Senhor chamando-o de Deus dos Pais, fazendo memória implícita, assim, das promessas divinas e da história de eleição e de aliança que uniu indissoluvelmente o Senhor e o seu povo. O envolvimento de Deus na história dos homens é tal, que seu Nome já está inseparavelmente unido ao dos Patriarcas, e o profeta pronuncia esse Nome santo para que Deus recorde e se mostre fiel, mas também para que Israel se sinta chamado pelo seu nome e volte a encontrar sua fidelidade. O título divino pronunciado por Elias parece, de fato, um pouco surpreendente. Ao invés de usar a fórmula habitual, “Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó”, ele utiliza um apelativo menos comum: “Deus de Abraão, de Isaac e de Israel”. A substituição do nome “Jacó” pelo de “Israel” evoca a luta de Jacó no vau de Jaboc, com a mudança de nome a que o narrador faz referência explícita (cf. Gn 32,31) e de que falei em uma das catequeses passadas. Esta substituição adquire um significado a mais dentro da invocação de Elias. O profeta está rezando pelo povo do reino do Norte, que se chamava precisamente Israel, diferente de Judá, que indicava o reino do Sul. E agora, este povo, que parece ter esquecido sua própria origem e sua própria relação privilegiada com o Senhor, sente que o chamam pelo seu nome, enquanto se pronuncia o Nome de Deus, Deus do Patriarca e Deus do Povo: “Senhor, Deus (…) de Israel, mostra hoje que tu és Deus em Israel”.
O povo por quem Elias reza é colocado diante da sua própria verdade e o profeta pede que também a verdade do Senhor se manifeste e que Ele intervenha para converter Israel, afastando-o do engano da idolatria e levando-o, assim, à salvação. Sua petição é que o povo finalmente saiba, conheça em plenitude quem é verdadeiramente seu Deus, e faça a escolha decisiva de seguir somente Ele, o verdadeiro Deus. Porque somente assim Deus é reconhecido pelo que é, Absoluto e Transcendente, sem a possibilidade de colocá-lo junto a outros deuses, que O negariam como absoluto, relativizando-o. Esta é a fé que faz de Israel o povo de Deus; é a fé proclamada no bem conhecido texto do Shema‘ Israel: “Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6,4-5). Ao absoluto de Deus, o crente deve responder com um amor absoluto, total, que comprometa toda a sua vida, suas forças, seu coração. E é precisamente para o coração do seu povo que o profeta, com sua oração, está implorando conversão: “Que este povo reconheça que tu, Senhor, és Deus, e que és tu que convertes o seu coração” (1Re 18,37). Elias, com sua intercessão, pede a Deus o que o próprio Deus deseja fazer, manifestar-se em toda a sua misericórdia, fiel à sua própria realidade de Senhor da vida que perdoa, converte, transforma.
E isso é o que acontece: “Caiu o fogo do Senhor, que devorou o holocausto, a lenha, as pedras e a poeira, e secou a água que estava no rego. Vendo isto, o povo todo prostrou-se com o rosto em terra, exclamando: “É o Senhor que é Deus, é o Senhor que é Deus!'” (v. 38-39).
O fogo, este elemento ao mesmo tempo necessário e terrível, ligado às manifestações divinas da sarça ardente e do Sinai, agora serve para mostrar o amor de Deus que responde à oração e se revela ao seu povo. Baal, o deus mudo e impotente, não havia respondido às invocações dos seus profetas; o Senhor, no entanto, responde, de forma irrevocável, não só queimando o holocausto, mas inclusive secando toda a água que havia sido derramada ao redor do altar. Israel já não pode duvidar; a misericórdia divina saiu ao encontro da sua fraqueza, das suas dúvidas, da sua falta de fé. Agora, Baal, o ídolo vão, está vencido, e o povo, que parecia perdido, encontrou o caminho da verdade e se reencontrou.
Queridos irmãos e irmãs, o que esta história do passado nos diz? Qual é o presente desta história? Antes de tudo, está em questão a prioridade do primeiro mandamento: adorar somente a Deus. Onde Deus desaparece, o homem cai na escravidão de idolatrias, como mostraram, em nossa época, os regimes totalitários, e como mostram também diversas formas de niilismo, que tornam o homem dependente de ídolos, de idolatrias, o escravizam. Segundo, o objetivo primário da oração é a conversão: o fogo de Deus que transforma nosso coração e nos torna capazes de vê-Lo e, assim, de viver segundo Deus e de viver para o outro. E o terceiro ponto. Os Padres nos dizem que também esta história de um profeta será profética se – afirmam – for sombra do futuro, do futuro Cristo; é um passo no caminho rumo a Cristo. E nos dizem que aqui vemos o verdadeiro fogo de Deus: o amor que guia o Senhor até a cruz, até o dom total de si. A verdadeira adoração de Deus, então, é doar-se a Deus e aos homens, a verdadeira adoração é o amor. E a verdadeira adoração de Deus não destrói, mas renova, transforma. Certamente, o fogo de Deus, o fogo do amor queima, transforma, purifica, mas precisamente assim não destrói, e sim cria a verdade do nosso ser, recria nosso coração. E assim, realmente vivos pela graça do fogo do Espírito Santo, do amor de Deus, somos adoradores em espírito e verdade.
Obrigado!
[No final da audiência, o Papa cumprimentou os peregrinos em vários idiomas. Em português, disse:]
Queridos irmãos e irmãs:
Na história religiosa de Israel, sobressai a figura de Elias, cujo nome significa: “O meu Deus é o Senhor”. E, com o nome concorda a sua vida, toda ela votada a provocar no povo de Israel - que se extraviara atrás dos ídolos – o regresso ao Senhor seu Deus. Um dia reuniu o povo no Monte Carmelo, desafiando-o a escolher entre o Deus verdadeiro e os ídolos. Tanto ele, o profeta do Senhor, como os profetas de Baal vão preparar um sacrifício sem atear o fogo; depois cada um invoca o seu Deus. Aquele dos dois que responder, enviando o fogo para queimar o sacrifício, será o verdadeiro Deus. Elias rezou assim: “Respondei-me, Senhor, para que este povo reconheça que sois o verdadeiro Deus e converteis os seus corações”. Com a sua súplica, pede a Deus aquilo que o próprio Deus deseja fazer: manifestar-Se em toda a sua misericórdia, fiel à própria realidade de Senhor da vida que perdoa e converte. E o Senhor responde, enviando o fogo que consome a vítima do sacrifício. E o povo reencontrou a estrada da verdade, reencontrou-se a si mesmo: “O Senhor é o nosso Deus”.
Amados peregrinos de língua portuguesa, uma saudação amiga de boas-vindas para todos, com menção especial para os fiéis das paróquias de Nossa Senhora da Conceição, em Angola, São Sebastião de Campo Grande, no Brasil, e São Julião da Barra, em Portugal. Possa esta peregrinação ao túmulo dos Apóstolos ajudar-vos na vida a cooperar plenamente com os desígnios de salvação que Deus tem sobre a humanidade. Como estímulo e penhor de graças, dou-vos a minha Bênção.
[Tradução: Aline Banchieri.
© Libreria Editrice Vaticana]
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Queridos irmãos e irmãs:
Na história religiosa do antigo Israel, os profetas tiveram grande relevância, com seus ensinamentos e sua pregação. Entre eles, surge a figura de Elias, suscitado por Deus para levar o povo à conversão. Seu nome significa “o Senhor é meu Deus” e é de acordo com este nome que se desenvolve toda a sua vida, consagrada inteiramente a provocar no povo o reconhecimento do Senhor como único Deus. De Elias o Eclesiástico diz: “O profeta Elias surgiu como o fogo, e sua palavra queimava como tocha” (Eclo 48,1). Com esta chama, Israel volta a encontrar seu caminho rumo a Deus. Em seu ministério, Elias reza: invoca o Senhor para que devolva a vida ao filho de uma viúva que o havia hospedado (cf. 1Re 17,17-24), grita a Deus seu cansaço e sua angústia, enquanto foge pelo deserto, jurado de morte pela rainha Jezabel (cf. 1Re 19,1-4), mas sobretudo no monte Carmelo, onde se mostra todo o seu poder de intercessor, quando, diante de todo Israel, reza ao Senhor para que se manifeste e converta o coração do povo. É o episódio narrado no capítulo 18 do Primeiro Livro dos Reis, no qual hoje nos deteremos.
Encontramo-nos no reino do Norte, no século IX antes de Cristo, em tempos do rei Ajab, em um momento em que Israel havia se criado uma situação de aberto sincretismo. Junto ao Senhor, o povo adorava Baal, o ídolo tranquilizador de quem se acreditava que vinha o dom da chuva e a quem, por isso, se atribuía o poder de dar fertilidade aos campos e vida aos homens e às bestas. Ainda pretendendo seguir o Senhor, Deus invisível e misterioso, o povo buscava segurança também em um deus compreensível e previsível, de quem acreditava poder obter fecundidade e prosperidade em troca de sacrifícios. Israel estava cedendo à sedução da idolatria, a contínua tentação do crente, figurando-se poder “servir a dois senhores” (cf. Mt 6,24; Lc 16,13) e de facilitar os caminhos inescrutáveis da fé no Onipotente, colocando sua confiança também em um deus impotente feito por homens.
Precisamente para desmascarar a necedade enganosa dessa atitude, Elias reúne o povo de Israel no monte Carmelo e o coloca diante da necessidade de fazer uma escolha: “Se o Senhor é o verdadeiro Deus, segui-o; mas, se é Baal, segui a ele” (1Re 18, 21). E o profeta, portador do amor de Deus, não deixa sua gente sozinha diante desta escolha, mas o ajuda, indicando o sinal que revelará a verdade: tanto ele como os profetas de Baal prepararão um sacrifício e rezarão, e o verdadeiro Deus se manifestará respondendo com o fogo que consumirá a oferenda. Começa assim a confrontação entre o profeta Elias e os seguidores de Baal, que na verdade é entre o Senhor de Israel, Deus de salvação e de vida, e o ídolo mudo e sem consistência, que não pode fazer nada, nem para bem nem para mal (cf. Jr 10,5). E começa também a confrontação entre duas formas completamente diferentes de dirigir-se a Deus e de rezar.
Os profetas de Baal, de fato, gritam, agitam-se, dançam, pulam, entram em um estado de exaltação, chegando a fazer-se incisões no corpo, “com espadas e lanças, até o sangue escorrer” (1Re 18,28). Usam a si mesmos como recurso para interpelar o seu deus, confiando em suas próprias capacidades de provocar sua resposta. Revela-se assim a realidade enganosa do ídolo: este está pensado pelo homem como algo de que se pode dispor, que se pode gestionar com as próprias forças, a que se pode aceder a partir de si mesmos e da própria força vital. A adoração do ídolo, ao invés de abrir o coração humano à Alteridade, a uma relação libertadora que permita sair do espaço estreito do próprio egoísmo para aceder a dimensões de amor e de dom mútuo, fecha a pessoa no círculo exclusivo e desesperador da busca de si mesma. E o engano é tal que, adorando o ídolo, o homem se vê obrigado a ações extremas, na tentativa ilusória de submetê-lo à sua própria vontade. Por isso, os profetas de Baal chegam até a causar-se dano, a retalhar-se, em um gesto dramaticamente irônico: para obter uma resposta, um sinal de vida do seu deus, eles se cobrem de sangue, recobrindo-se simbolicamente de morte.
Muito diferente é a atitude de oração de Elias. Ele pede ao povo que se aproxime, envolvendo-o assim em sua ação e em sua súplica. O objetivo do desafio dirigido por ele aos profetas de Baal era o de voltar a levar a Deus o povo que se havia extraviado seguindo os ídolos; por isso, quer que Israel se una a ele, convertendo-se em partícipe e protagonista da sua oração e do que está acontecendo. Depois, o profeta erige um altar, utilizando, como recita o texto, “doze pedras, segundo o número das doze tribos dos filhos de Jacó, a quem Deus tinha dito: 'Teu nome será Israel'” (v. 31). Essas pedras representam todo Israel e são a memória tangível da história de eleição, de predileção e de salvação de que o povo foi objeto. O gesto litúrgico de Elias tem uma repercussão decisiva; o altar é o lugar sagrado que indica a presença do Senhor, mas essas pedras que o compõem representam o povo, que agora, por mediação do profeta, está colocado simbolicamente diante de Deus, converte-se em “altar”, lugar de oferenda e de sacrifício.
Mas é necessário que o símbolo se converta em realidade, que Israel reconheça o verdadeiro Deus e volte a encontrar sua própria identidade de povo do Senhor. Por isso, Elias pede a Deus que se manifeste, e essas doze pedras, que deveriam recordar a Israel sua verdade, servem também para recordar ao Senhor sua fidelidade, à qual o profeta apela na oração. As palavras da sua invocação são densas em significado e em fé: “Senhor, Deus de Abraão, de Isaac e de Israel, mostra hoje que tu és Deus em Israel, e que eu sou teu servo e que é por ordem tua que fiz estas coisas. Ouve-me, Senhor, ouve-me, para que este povo reconheça que tu, Senhor, és Deus, e que és tu que convertes o seu coração!” (v. 36-37; cf. Gn 32, 36-37). Elias se dirige ao Senhor chamando-o de Deus dos Pais, fazendo memória implícita, assim, das promessas divinas e da história de eleição e de aliança que uniu indissoluvelmente o Senhor e o seu povo. O envolvimento de Deus na história dos homens é tal, que seu Nome já está inseparavelmente unido ao dos Patriarcas, e o profeta pronuncia esse Nome santo para que Deus recorde e se mostre fiel, mas também para que Israel se sinta chamado pelo seu nome e volte a encontrar sua fidelidade. O título divino pronunciado por Elias parece, de fato, um pouco surpreendente. Ao invés de usar a fórmula habitual, “Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó”, ele utiliza um apelativo menos comum: “Deus de Abraão, de Isaac e de Israel”. A substituição do nome “Jacó” pelo de “Israel” evoca a luta de Jacó no vau de Jaboc, com a mudança de nome a que o narrador faz referência explícita (cf. Gn 32,31) e de que falei em uma das catequeses passadas. Esta substituição adquire um significado a mais dentro da invocação de Elias. O profeta está rezando pelo povo do reino do Norte, que se chamava precisamente Israel, diferente de Judá, que indicava o reino do Sul. E agora, este povo, que parece ter esquecido sua própria origem e sua própria relação privilegiada com o Senhor, sente que o chamam pelo seu nome, enquanto se pronuncia o Nome de Deus, Deus do Patriarca e Deus do Povo: “Senhor, Deus (…) de Israel, mostra hoje que tu és Deus em Israel”.
O povo por quem Elias reza é colocado diante da sua própria verdade e o profeta pede que também a verdade do Senhor se manifeste e que Ele intervenha para converter Israel, afastando-o do engano da idolatria e levando-o, assim, à salvação. Sua petição é que o povo finalmente saiba, conheça em plenitude quem é verdadeiramente seu Deus, e faça a escolha decisiva de seguir somente Ele, o verdadeiro Deus. Porque somente assim Deus é reconhecido pelo que é, Absoluto e Transcendente, sem a possibilidade de colocá-lo junto a outros deuses, que O negariam como absoluto, relativizando-o. Esta é a fé que faz de Israel o povo de Deus; é a fé proclamada no bem conhecido texto do Shema‘ Israel: “Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6,4-5). Ao absoluto de Deus, o crente deve responder com um amor absoluto, total, que comprometa toda a sua vida, suas forças, seu coração. E é precisamente para o coração do seu povo que o profeta, com sua oração, está implorando conversão: “Que este povo reconheça que tu, Senhor, és Deus, e que és tu que convertes o seu coração” (1Re 18,37). Elias, com sua intercessão, pede a Deus o que o próprio Deus deseja fazer, manifestar-se em toda a sua misericórdia, fiel à sua própria realidade de Senhor da vida que perdoa, converte, transforma.
E isso é o que acontece: “Caiu o fogo do Senhor, que devorou o holocausto, a lenha, as pedras e a poeira, e secou a água que estava no rego. Vendo isto, o povo todo prostrou-se com o rosto em terra, exclamando: “É o Senhor que é Deus, é o Senhor que é Deus!'” (v. 38-39).
O fogo, este elemento ao mesmo tempo necessário e terrível, ligado às manifestações divinas da sarça ardente e do Sinai, agora serve para mostrar o amor de Deus que responde à oração e se revela ao seu povo. Baal, o deus mudo e impotente, não havia respondido às invocações dos seus profetas; o Senhor, no entanto, responde, de forma irrevocável, não só queimando o holocausto, mas inclusive secando toda a água que havia sido derramada ao redor do altar. Israel já não pode duvidar; a misericórdia divina saiu ao encontro da sua fraqueza, das suas dúvidas, da sua falta de fé. Agora, Baal, o ídolo vão, está vencido, e o povo, que parecia perdido, encontrou o caminho da verdade e se reencontrou.
Queridos irmãos e irmãs, o que esta história do passado nos diz? Qual é o presente desta história? Antes de tudo, está em questão a prioridade do primeiro mandamento: adorar somente a Deus. Onde Deus desaparece, o homem cai na escravidão de idolatrias, como mostraram, em nossa época, os regimes totalitários, e como mostram também diversas formas de niilismo, que tornam o homem dependente de ídolos, de idolatrias, o escravizam. Segundo, o objetivo primário da oração é a conversão: o fogo de Deus que transforma nosso coração e nos torna capazes de vê-Lo e, assim, de viver segundo Deus e de viver para o outro. E o terceiro ponto. Os Padres nos dizem que também esta história de um profeta será profética se – afirmam – for sombra do futuro, do futuro Cristo; é um passo no caminho rumo a Cristo. E nos dizem que aqui vemos o verdadeiro fogo de Deus: o amor que guia o Senhor até a cruz, até o dom total de si. A verdadeira adoração de Deus, então, é doar-se a Deus e aos homens, a verdadeira adoração é o amor. E a verdadeira adoração de Deus não destrói, mas renova, transforma. Certamente, o fogo de Deus, o fogo do amor queima, transforma, purifica, mas precisamente assim não destrói, e sim cria a verdade do nosso ser, recria nosso coração. E assim, realmente vivos pela graça do fogo do Espírito Santo, do amor de Deus, somos adoradores em espírito e verdade.
Obrigado!
[No final da audiência, o Papa cumprimentou os peregrinos em vários idiomas. Em português, disse:]
Queridos irmãos e irmãs:
Na história religiosa de Israel, sobressai a figura de Elias, cujo nome significa: “O meu Deus é o Senhor”. E, com o nome concorda a sua vida, toda ela votada a provocar no povo de Israel - que se extraviara atrás dos ídolos – o regresso ao Senhor seu Deus. Um dia reuniu o povo no Monte Carmelo, desafiando-o a escolher entre o Deus verdadeiro e os ídolos. Tanto ele, o profeta do Senhor, como os profetas de Baal vão preparar um sacrifício sem atear o fogo; depois cada um invoca o seu Deus. Aquele dos dois que responder, enviando o fogo para queimar o sacrifício, será o verdadeiro Deus. Elias rezou assim: “Respondei-me, Senhor, para que este povo reconheça que sois o verdadeiro Deus e converteis os seus corações”. Com a sua súplica, pede a Deus aquilo que o próprio Deus deseja fazer: manifestar-Se em toda a sua misericórdia, fiel à própria realidade de Senhor da vida que perdoa e converte. E o Senhor responde, enviando o fogo que consome a vítima do sacrifício. E o povo reencontrou a estrada da verdade, reencontrou-se a si mesmo: “O Senhor é o nosso Deus”.
Amados peregrinos de língua portuguesa, uma saudação amiga de boas-vindas para todos, com menção especial para os fiéis das paróquias de Nossa Senhora da Conceição, em Angola, São Sebastião de Campo Grande, no Brasil, e São Julião da Barra, em Portugal. Possa esta peregrinação ao túmulo dos Apóstolos ajudar-vos na vida a cooperar plenamente com os desígnios de salvação que Deus tem sobre a humanidade. Como estímulo e penhor de graças, dou-vos a minha Bênção.
[Tradução: Aline Banchieri.
© Libreria Editrice Vaticana]
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