[IHU]
31/7/2011
"Domingo, 17 de abril. À tarde, tomei posse do quarto na Casa Santa Marta. Deixei minhas malas e abri as persianas, pois o quarto estava escuro. Não consegui. Um coirmão meu, pelo mesmo problema, se dirigiu às irmãs governantas. Ele pensava que se tratava de um inconveniente técnico. As religiosas lhe explicaram que as persianas estavam lacradas. Clausura do Conclave... Uma experiência nova para quase todos nós: de 115 cardeais, só dois já participaram da eleição de um papa...".
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 27-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Com essas palavras começa o "diário secreto" do conclave que, no dia 19 de abril de 2005, levou à eleição de Bento XVI. Apontamentos reservados que um cardeal anônimo escreveu em seu caderno quando voltou para o seu quarto depois das votações na Capela Sistina. Um documento excepcional, publicado pela revista Limes em 2005. Um texto que permite reconstruir, passo a passo, o andamento dos votos e levantar o véu de sigilo que, por vontade dos papas, sempre encobriu o conclave.
Dos apontamentos do cardeal, em posse da revista, apreende-se sobretudo que a candidatura de Ratzinger era muito forte desde o início: o purpurado bávaro de 78 anos era o único que podia contar com o apoio de um grupo bem organizado decidido a apoiá-lo. Além disso, são desmentidas as reconstruções segundo as quais um papel determinante na eleição de Bento XVI teria sido desempenhado pelo cardeal Carlo Maria Martini, coetâneo do novo papa, ex-arcebispo de Milão. E é confirmada a notícia publicada pelo jornal milanês Il Giornale no dia seguinte ao conclave: o único verdadeiro antagonista de Ratzinger que pôde contar com um número consistente de consensos, chegando a 40, foi o arcebispo de Buenos Aires, o jesuíta argentino Jorge Mario Bergoglio.
Primeiro dia
Mas vamos por partes, reconstruindo passo a passo a crônica do que aconteceu no segredo da Capela Sistina nas 24 horas que começaram na tarde da segunda-feira 18 de abril de 2005. Às 18h, depois que os 115 purpurados fizeram a sua entrada na capela, prestaram juramento e, por fim, ouviram uma meditação do cardeal octogenário Spidlik, começou a primeira votação. Foram distribuídas as cédulas. Eram de formato retangular, feitas de modo a serem dobradas ao meio. Na parte superior, encontra-se escrito “Eligo in Summo Pontificem” ("Elejo como Sumo Pontífice"); na parte inferior, há o espaço para escrever o nome do escolhido.
Cada cardeal se aproxima da urna de metal (foto), pronuncia uma fórmula solene e depõe a cédula. Tudo termina poucos minutos depois, às 19h. O resultado negativo do escrutínio é um dado conhecido, mas os resultados são surpreendentes. Ratzinger já obteve 47 votos; Bergoglio – e é a verdadeira surpresa do conclave – recebe 10; Martini, 9. A Camillo Ruini, vigário do papa e presidente da Conferência dos Bispos da Itália - CEI, vão 6 votos; ao secretário de Estado, Angelo Sodano, 4; ao cardeal de Honduras, Óscar Rodríguez Maradiaga, 3 votos; a Dionigi Tettamanzi, sucessor de Martini em Milão, 2 votos. Depois, há mais de 30 votos dispersos entre todos os cardeais do conclave. Votos individuais que não significam nada e que o purpurado autor do "diário secreto" não pode anotar de memória. A fumaça é indiscutivelmente preta.
Dessa primeira votação, é fortemente redimensionado o peso da ala "progressista" do conclave, que havia decidido votar em Martini, um candidato "de bandeira", com o único propósito de poder verificar com quantos consensos poderia contar. Os cardeais deixam a Capela Sistina e vão comer. Os defensores de Ratzinger vão embora muito bem, mas a surpresa de Bergoglio chama a atenção de muitos eleitores. O arcebispo de Buenos Aires é uma pessoa esquiva, que evita as câmeras de TV e não dá entrevistas. Ele deixou o palácio arquiepiscopal para viver de modo simples e humilde em um pequeno apartamento. Sua figura lembra de algum modo a do Papa Luciani.
Depois do jantar, ocorrem pequenas reuniões para decidir o que fazer e, sobretudo, para convencer os indecisos. "Pequenos grupos, duas ou três pessoas, não há grandes reuniões. Como em todos os hotéis, às milhares de proibições já existentes, acrescenta-se a do fumo. O cardeal português José da Cruz Policarpo, com reputação de fumante empedernido, não resiste e sai ao ar livre para acender um bom charuto".
Segundo dia
Na manhã seguinte, terça-feira 19 de abril, às 9h, os 115 purpurados retornam à Capela com afrescos de Michelangelo e, sob o olhar severo dos personagens do Juízo Universal, retomam nas mãos as cédulas para votar. O resultado do segundo escrutínio vê diminuir sensivelmente os votos dispersos em candidatos individuais. Ratzinger sobe para 65 (faltam-se 12 votos para atingir o limiar dos dois terços, necessário para a eleição nas primeiras duas semanas do conclave); Bergoglio vê aumentar consideravelmente os seus consenos e chega a 35; Ruini não tem mais os seus votos, que confluíram para Ratzinger; Martini também não, porque os seus apoiadores votaram em Bergoglio. Apenas Sodano mantém os seus 4 votos, e Tettamanzi os seus 2.
Às 11h daquela mesma manhã, procede-se para uma nova votação, conforme previsto pelo regulamento do conclave. O resultado é significativo. Desaparecem os dois votos de Tettamanzi e os quatro de Sodano. Os votos dispersos são muito poucos. Um deles é dado ao colombiano curial Darío Castrillón Hoyos. Ratzinger sobe para 72 e já se aproxima do limite e do Sólio. Mas o argentino Bergoglio também cresce e alcança os 40 votos. Um "pacote" de aprovações totalmente insuficiente para aspirar à eleição, mas suficiente para impedir a eleição de qualquer outro candidato: se os partidários do cardeal de Buenos Aires decidissem resistir por mais algumas votações, a candidatura Ratzinger teria terminado.
Alguns vaticanistas, habituados a especular abstratamente, defenderam que, na realidade, a eleição de Ratzinger, nesse ponto, já estava certa, porque bastaria que os seus eleitores continuassem a votar nele por mais 30 vezes e, depois, se desencadearia a redução do quórum – dos dois terços à maioria absoluta de 50 mais um dos consensos –, tal como previsto pelas novas normas do conclave aprovadas por João Paulo II.
Mas se trata, na realidade, de uma possibilidade apenas teórica: Ratzinger (mas provavelmente qualquer outro) não permitiria que ninguém se obstinasse ao seu nome por duas semanas, com o mundo à espera de um novo papa. Ele seria o primeiro a se retirar da disputa.
É por isso que, visto o resultado da votação, os jogos parecem se reabrir. Alguns pensam que o conclave ainda está para ser decidido totalmente, e que o novo papa poderia não se Ratzinger e nem Bergoglio, mas sim um novo candidato de mediação a ser encontrado e votado a partir do dia seguinte. Os cardeais eleitores estão conscientes de que esse é o momento crucial. O destino da eleição será decidida nas conversas informais das próximas horas, antes da próxima votação, a quarta, agendada para a tarde.
"Já na Capela Sistina, antes do deslocamento para Santa Marta para o almoço – lê-se no diário do purpurado anônimo –, há os primeiros comentários e os primeiros contatos. É grande a preocupação entre os purpurados que desejam a eleição do cardeal Ratzinger. Estreitam-se os contatos. O mais ativo é o cardeal López Trujillo...". O colombiano Trujillo é visto por muitos se aproximando em particular dos cardeais latino-americanos. Ele tenta convencê-los de que não há verdadeiras alternativas para Ratzinger. "Amanhã, grandes novidades", o cardeal Martini teria sussurrado com um sorriso enigmático a um colega seu durante a pausa do almoço.
Momentos finais
Martini está entre aqueles que preveem uma mudança de candidatos na manhã seguinte, no caso de as duas próximas votações da tarde concluírem com um nada de fato. Mas para que a candidatura de Ratzinger seja impedida, é necessário que os seus adversários continuem fazendo um bloco em torno a Bergoglio. O arcebispo de Buenos Aires é visto com o rosto sofredor. Alguns dos colegas imagina até que, se ele fosse eleito, ele poderia recusar.
Às 16h, quando os 115 eleitores voltam para a Sistina, o resultado do conclave já está estabelecido. Muitos dos defensores de Bergoglio decidiram aderir à candidatura Ratzinger, para não arrastar longamente a eleição e para não para dividir o Sacro Colégio. Bento XVI é eleito com 84 votos; Bergoglio cai para 26. Alguns votos ainda estão dispersos: chama a atenção o voto dado ao norte-americano Bernard Law, ex-arcebispo de Boston, obrigado a renunciar por ter sido acusado de ter encoberto o escândalo de padres envolvidos nos casos de pedofilia.
Estas são as últimas recordações anotadas no "diário secreto" do purpurado anônimo: "Até o cardeal Ratzinger, enquanto ocorre a contagem das cédulas, anota os votos com cuidado, em sua folha. Depois, às 17h30, quando ele superou o quórum dos 77 votos, na Sistina, há um momento de silêncio, seguido por um longo aplauso cordial".
Mesmo que a eleição não tenha sido unânime, o conclave que elegeu Bento XVI foi um dos mais rápidos na história da Igreja. O cardeal bávaro era uma pessoa de prestígio inquestionável e de grande autoridade pessoal, e foi um dos colaboradores mais importantes do Papa Wojtyla. E, como decano do Sacro Colégio, havia gerido tanto a fase dos funerais de João Paulo II, quanto as congregações gerais que prepararam o conclave. Os eleitores, enfim, foram pelo lado seguro.
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