Análise do argumento cessacionista baseado em Marcos 16
Dr.
Fábio Blanco
Um dos argumentos cessacionistas é
que os dons espirituais descritos no Novo Testamento tinham a função de
autenticar a mensagem apostólica. Por isso, segundo essa ideia, como o cânon
bíblico fechou-se, não havendo mais novas revelações, esses dons não teriam
mais razão para existir, pois já não há mais o que autenticar.
Uma das passagens usadas para
fundamentar essa tese
é a do final do Evangelho de Marcos, no capítulo 16, versículos de14 a 18, os
quais transcrevo abaixo:
“Finalmente
apareceu aos onze, estando eles assentados juntamente, e lançou-lhes em rosto a
sua incredulidade e dureza de coração, por não haverem crido nos que o tinham
visto já ressuscitado. E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a
toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será
condenado. E estes sinais seguirão aos que crerem: Em meu nome expulsarão os
demônios; falarão novas línguas; Pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma
coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos, e
os curarão. Ora, o Senhor, depois de lhes ter falado, foi recebido no céu, e
assentou-se à direita de Deus. E eles, tendo partido, pregaram por todas as
partes, cooperando com eles o Senhor, e confirmando a palavra com os sinais que
se seguiram. Amém”.
Segundo o argumento
cessacionista, baseado no texto transcrito, os sinais descritos nessa
passagem eram meramente autenticadores da pregação apostólica, pois está
escrito que eles confirmavam a palavra dos apóstolos. A conclusão
cessacionista, portanto, é que como a pregação apostólica cessou, os sinais
(incluindo aí os dons) também cessaram. O argumento é simples: se não há mais
uma pregação a ser autenticada, os sinais, que serviam para isso, não têm mais
função.
Apesar da coerência lógica do
pensamento cessacionista, é bom atentar que nem sempre o que é lógico é
verdadeiro. Muitas vezes, a lógica se fundamenta em falsas premissas, o que
resulta em conclusões falsas. No presente caso, a primeira pergunta que se deve
fazer é: se os sinais são autenticações da mensagem apostólica, quem eles
querem convencer? Sim, porque se eles estão confirmando a mensagem apostólica,
estão fazendo isso para alguém. Mas quem está sendo convencido?
Essa é uma pergunta fundamental.
Isso porque se os cessacionistas falam de autenticação da pregação apostólica,
eles não podem se eximir de responder para quem os sinais autenticavam essa
mensagem. A resposta, porém, não é tão simples como parece. A tendência
imediata é dizer que os sinais serviam para que os incrédulos vissem o poder de
Deus e, assim, aceitassem a veracidade da pregação. No entanto, nada no texto
de Marcos indica isso. Ali, Jesus diz, claramente, que os sinais seguirão aos
que crerem! A passagem nada diz sobre autenticação da mensagem, nem mesmo
demonstração de sua veracidade pelos sinais. Simplesmente afirma que a fé em
Cristo seria acompanhada por sinais.
Os cessacionistas, porém, citarão a
narração final do evangelista, quando ele afirma que os sinais que se seguiram
confirmavam a palavra. O erro deles, porém, me parece residir no entendimento
sobre o que é esta palavra. Quase sem vacilar, eles afirmam que ela se refere à
própria pregação dos apóstolos, seja do evangelho, seja da ressurreição de
Cristo. No entanto, Marcos não usa nenhum desses termos. O evangelista simplesmente
diz que os sinais confirmavam o λογος. Mas, o que é esse logos confirmado pelos
sinais? Ele não pode ser apenas o discurso apostólico, mas, sim, deve envolver
o próprio discurso de Cristo. E o que continha esse discurso? Que estes sinais
seguirão aos que crerem... Portanto, quando os apóstolos pregavam e as pessoas
se convertiam, e os sinais se manifestavam, também estava se confirmando aquilo
que Jesus disse para seus discípulos, a saber, que os sinais acompanhariam os
que cressem. O que Jesus disse fazia parte da pregação e era confirmado pelos
fatos!
Vê-se, portanto, que não se fala de
autenticação da mensagem apostólica, mas confirmação da palavra de Jesus,
simplesmente. Com isso, a tese cessacionista que se baseia no texto de Marcos
desmorona. Isso porque não é mais possível delimitar esses sinais apenas ao
período apostólico, já que o texto não dá qualquer indicação disso.
Se os sinais acompanham os que
creem, então eles não existem meramente para autenticar uma mensagem ou para
convencer os incrédulos, mas existem por causa dos próprios crentes. Porém, se
eles já creem, esses sinais servem para quê? A razão disso só pode estar no
fato de que os sinais são, na verdade, a demonstração do poder de Deus, para
que aquele que crê se veja confirmado na verdade. Por isso, os sinais
acompanham os que creem. Em outras palavras, aqueles que creem na verdade de
Jesus têm os sinais do poder de Deus em suas vidas. Aliás, essa é a ênfase da
passagem: os sinais como confirmação do poder de Deus na vida dos crentes!
Até porque não faz sentido pensar
em confirmação da mensagem apostólica, se os sinais se manifestam exatamente
naqueles que creem. Naqueles em quem os sinais se manifestam já existe a fé e
não é mais necessário que sejam convencidos da verdade. Portanto, se os sinais
se manifestam neles é menos para que a mensagem seja autenticada e mais como
demonstração, pura e simples, do poder de Deus em suas vidas. Por isso quando
Marcos afirma que os sinais confirmavam a palavra, isso deve ser entendido não como
um selo colocado sobre a pregação, a fim de demonstrar que ela era verdadeira,
mas, simplesmente, como uma constatação daquilo que Jesus havia dito, a saber,
que os sinais acompanhariam os que cressem.
Assim, dizer que porque o cânon
bíblico está encerrado não há mais necessidade dos sinais não faz sentido
algum. Isso porque os sinais não existiram somente para confirmar para a Igreja
que a mensagem pregada era verdadeira para que ela pudesse, dessa forma,
determinar que tais e tais livros deveriam constar na Bíblia. Isso é uma
redução impressionante do agir divino. O que os cessacionistas fazem, quando se
baseiam nesse texto de Marcos, é expandir o sentido da confirmação feita pelos
sinais a um mero carimbo sobre a pregação, como se fosse uma autenticação
burocrática para fins documentais posteriores. O correto entendimento da
passagem é que se os milagres confirmavam algo, faziam isso, não para uma
instituição qualquer, nem para um colegiado futuro, nem para um concílio de
cardeais, mas no coração dos crentes para que eles se fortalecessem na verdade.
E se havia essa necessidade naquele tempo, tal necessidade permanece ainda
hoje. E não há motivo algum para acreditar que haja alguma diferença
fundamental entre os crentes da igreja primitiva e os de agora. E se a fé
permanece, os sinais que a acompanham permanecem também. A não ser que
acreditemos que a Bíblia encerrou o poder de Deus e, por causa dela, Ele não
age mais no meio do seu povo.
Do que está escrito no Evangelho de
Marcos, apenas se pode depreender que os sinais acompanham os crentes. Nada
mais. Toda a exegese diferente disso é extra scriptura. E é aqui que insisto na
incoerência cessacionista. Como boa parte dos cessacionistas alardeiam ser
defensores da Sola Scriptura, ao insistirem que os sinais ficaram restritos ao
período apostólico, fazem isso em contradição aos princípios que sustentam, já
que suas conclusões não são tiradas da leitura simples e imediata da Bíblia,
mas de uma interpretação bem elástica daquilo que está escrito.
Por isso, ainda hoje, se existem os
dons, os sinais, os milagres, eles se manifestam pelo mesmo motivo que se
manifestaram no período apostólico: como confirmação do poder de Deus na vida
dos crentes. Encontrar outra razão para isso é forçar a Palavra de Deus de uma
maneira irresponsável. Entender que os sinais acompanham os que creem,
simplesmente como está escrito na Bíblia, isso, sim, é Sola Scriptura.
Fonte:
Fábio
Blanco
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