ihu - Ele foi superior geral dos Irmãos de São João de Deus, durante uma década. Pascual Piles é agora presidente da Fundação Juan ciudad, provincial de Aragon e uma das máximas referências da ordem. Surpreso com a virulência do Ebola, afirma que há pânico na África, agradece ao Governo
pela gestão do caso e lamenta por não ser possível expatriar as demais
pessoas afetadas. Contudo, reconhece que “o custo da locomoção é muito
alto”, ao mesmo tempo em que defende que a doença “não é um castigo de Deus”, como dizem alguns líderes religiosos da Libéria.
A entrevista é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 10-08-2014. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Parece que o Padre Pajares (Nota da IHU On-Line: faleceu no dia de hoje) está fora de perigo. Em meio a essa dramática situação, trata-se de um consolo?
Pensamos que sim, é uma grande alegria que esteja fora de perigo. A
tentativa de trazê-lo para Espanha é algo que víamos como necessário,
pois não encontrávamos possibilidade de aplicar o tratamento necessário
em Monróvia. Estamos contentes por ir respondendo ao
tratamento que, se não é sintomático, é o que pouco a pouco vai sendo
efetivo. Esta melhora, ainda que pequena, pensamos que ocorrerá a cada
dia.
De fato, a doença trouxe pânico aos cinco países africanos onde conhecemos que existe. Nós comprovamos esse pânico no Hospital São José, que a Ordem tem em Monróvia. Neste hospital, além de outras pessoas, faleceu nosso irmão Patrick, que era o Diretor do Centro. Temos outro irmão afetado, Georges (Nota da IHU On-Line: que faleceu no dia de ontem), e as irmãs afetadas que ficaram sem poder vir, uma delas a irmã Chantal, que acaba de morrer no último final de semana.
Vocês agradecem ao governo pela repatriação do padre Pajares e da irmã Juliana?
É claro que sim. Penso que o Governo, neste caso,
fez tudo o que era possível dentro dos protocolos existentes. É uma pena
que não puderam vir outras pessoas que necessitavam tanto quanto o
irmão Miguel e a irmã Juliana. Também precisamos entender que caso as coisas não sejam bem feitas, podemos trazer a infecção para o nosso país.
Gostaria que tivessem repatriado ao menos as outras duas irmãs infectadas pelo Ebola?
Teríamos gostado se as duas irmãs, que estavam infectadas, tivessem vindo. Uma delas já morreu. Gostaríamos que o irmão Georges (Nota da IHU On-Line: que faleceu no dia de ontem), que está infectado, pudesse vir. E gostaríamos de poder levar a cura para todos os infectados, muitos deles já falecidos.
Considera moralmente aceitável que, em um primeiro momento, fosse dito que seria cobrado da Ordem o custo pela repatriação de duas pessoas que estavam entregando suas vidas pelos mais desfavorecidos?
Não tenho conhecimento de onde saiu essa opinião sobre o pagamento
que nos seria pedido. Encontramos muito boa colaboração com o Governo. É verdade que esta locomoção tem um custo muito alto, mas nós, que estamos fazendo campanhas para lutar contra o Ebola,
pensamos que devem estar mais orientadas para melhorar as condições dos
países onde existe a pandemia e oxalá ajudássemos a eliminá-la com o
esforço de todos.
A prioridade, agora, é garantir o melhor funcionamento de seus hospitais na Libéria e em Serra Leoa, e aliviar a pandemia?
Gostaríamos de fazer o bem em todas as partes, mas somos limitados. Nossos dois hospitais, de Monróvia (Libéria) e Mabeseneh
(Serra Leoa), podem fazer muito, mas precisam de pessoas e de meios que
nem sempre conseguimos. Gostaríamos que os dois fossem hospitais que
pudessem oferecer, neste momento, um grande serviço às pessoas que vivem
no entorno, com os recursos e os técnicos suficientes, para que mais
ninguém sucumbisse pelo Ebola. Vamos tentar contribuir com o nosso grão de areia. Nossa ONG Juan Ciudad, como braço da Ordem Hospitaleira, é a que lidera o quanto estamos realizando para apoiar estes dois hospitais.
O mundo conhece suficientemente o perigo do Ebola?
Acredito que não conhecemos. Acredito que não tínhamos consciência de
que isso poderia ocorrer. O que aconteceu, neste último período, fez
com que nos despertássemos e movêssemos de uma forma diferente para
ajudar e nos preservar do perigo. Mil pessoas afetadas e vítimas deste
vírus, em tão pouco tempo, significa muito.
Alguns líderes religiosos da Libéria dizem que se trata de uma praga e de um “castigo de Deus”.
Meu critério, respeitando aos líderes religiosos que falaram desta forma, é que Deus não castiga dessa maneira e, muito menos, pessoas e povos que são marcados pela pobreza e a necessidade. O vírus do Ebola
era desconhecido para muitos até pouco tempo, e nos vimos afetados por
sua virulência quase sem nos dar conta. A consciência que nós todos
temos, há algumas semanas, há alguns dias, fará com que tenhamos muito
mais cuidado para não ficar infectados por ele e em emitir juízos tão
fortes sobre um mal que nos atingiu e para o qual não estávamos
preparados.
O Papa Francisco, com sua autoridade moral planetária, poderia ajudar a mobilizar o mundo para deter a epidemia e socorrer devidamente aos afetados?
O Papa Francisco está demonstrando que é muito
corajoso e que tem uma consciência social muito grande. Por sorte, hoje
possui uma autoridade moral planetária. Porém, há muitas coisas que
estão acontecendo em nossa sociedade que, mesmo com o Papa oferecendo um
testemunho profético, nem sempre se consegue o que gostaria que
ocorresse: Lampedusa, Israel e Palestina, as relações entre as duas
Coreias, etc. Estes são exemplos que demonstram que por mais que se
empenhe, nem sempre o Papa Francisco consegue aquilo pelo qual aposta. Contudo, o seu testemunho faz com que o mundo, as pessoas, as culturas, a Igreja, estejam mudando e que, hoje, exista uma nova consciência, na qual é preciso avançar muito mais.
São nestes momentos que se chega até a entrega absoluta e heroica de tantos missionários e missionárias na África e em todo o mundo?
Podemos afirmar que sim. A Igreja tem suas
fragilidades, mas também tem uma grande consciência social. São muitos
os missionários que se lançam como testemunhos do Evangelho,
e são muitas as pessoas do entorno afetado pelo vírus as que se
envolvem e se entregam com muito entusiasmo por uma causa que consideram
justa e heroica. Na Ordem, tivemos um irmão santo, São João Grande, que morreu afetado pela peste quando cuidava dos enfermos, em 1600, em Jerez, e cuja santidade foi reconhecida pela Igreja.
Atualmente, temos o irmão Patrick Shamdze, Diretor do hospital de Monróvia, que morreu no último dia 2 de agosto, afetado pelo vírus do Ebola. Para nós, foi um testemunho em seu próprio continente, sendo camaronês de nascimento e falecido no hospital “Saint John of God”
de Monróvia. Existiu entrega nos dois casos. Uma entrega que deve nos
levar a sermos menos egoístas e a nos dar com generosidade em qualquer
situação, cuidando-nos na medida do possível, mas sabendo dar o melhor
de cada um. Nossa sociedade precisa de uma mudança de visão, nossa
sociedade necessita de um crescimento de solidariedade de uns para com
outros, preocupando-nos com as pessoas e as situações mais necessitadas.
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