12 agosto, 2014
Leonardo da Vinci (1452-1519), A Última Ceia (1495-1498)
Parece que o sacramento da eucaristia não é o principal sacramento:
1. Com
efeito, o bem comum é maior que o bem individual, como diz Aristóteles.
Ora, o matrimônio visa o bem comum da espécie humana realizado pela
geração, enquanto a eucaristia visa ao bem próprio de quem a recebe.
Logo, não é o principal sacramento.
2. Além
disso, mais dignos deveriam ser os sacramentos conferidos por um
ministro de maior categoria. Ora, os sacramentos da confirmação e da
ordem são conferidos exclusivamente pelo bispo, que é superior ao
simples sacerdote, ministro do sacramento da Eucaristia. Logo, aqueles
sacramentos são mais importantes.
3 Ademais,
os sacramentos tem tanto maior valor quanto maior sua força. Ora, o
batismo, a confirmação e a ordem imprimem caráter, não porém a Eucaristia. Logo, aqueles sacramentos são mais importantes.
4. Ademais, é
mais digno aquilo do qual os outros dependem e não ao contrário. Ora, a Eucaristia depende do batismo, pois ninguém pode receber a Eucaristia
se não for batizado. Logo, o batismo é mais digno que a Eucaristia.
EM SENTIDO CONTRÁRIO,
Dionísio ensina: “Nenhuma função sacramental atinge seu termo sem a
santíssima Eucaristia”. Logo, este sacramento é, entre todos, o mais
importante e o que remata os demais.
Falando em absoluto, o sacramento da Eucaristia é o principal sacramento. Três argumentos o mostram:
1º. Porque
nela está contido substancialmente o próprio Cristo; enquanto que os
outros sacramentos contêm apenas uma força instrumental que participa de
Cristo. Ora, em todos os âmbitos, o que é por essência é mais digno do
que aquilo que é por participação.
2º. Pela
ordem recíproca dos sacramentos, pois todos os demais sacramentos
parecem orientar-se a este como a seu fim. O sacramento da ordem visa à
consagração da eucaristia. O batismo se orienta à recepção da Eucaristia
e recebe uma última demão no sacramento da confirmação, que visa a que
ninguém, por respeito a tão grande sacramento, deixe de recebê-lo. Pela
penitência e pela extrema unção o homem se prepara para tomar dignamente
o corpo de Cristo. O matrimônio, pelo menos por seu significado, está
próximo a este sacramento, enquanto significa a união de Cristo com a
Igreja, cuja unidade é figurada pelo sacramento da eucaristia. Por isso o
Apóstolo escreve: “Este mistério é grande: eu, por mim, declaro que ele
concerne ao Cristo e à Igreja” (Ef 5, 32).
3º. Pelo
rito dos sacramentos, pois quase todos os sacramentos atingem seu termo
na eucaristia, como diz Dionísio. Isso fica claro pelo fato de os
neo-ordenados comungarem e também os neo-batizados, se são adultos.
Os demais
sacramentos podem hierarquizar-se sob muitos aspectos. Do ponto de vista
da necessidade, o batismo é o principal sacramento; do ponto de vista
da perfeição, o sacramento da ordem; no meio entre ambos se situa o
sacramento da confirmação. Os sacramentos da penitência e da extrema
unção estão num grau inferior com relação aos sacramentos citados,
porque, como foi dito, se orientam à vida cristã não essencialmente, mas
como por acidente, para remediar a deficiência que lhe sobrevém. Entre
ambos, a extrema unção se compara à penitência como a confirmação ao
batismo, de modo que a penitência é mais necessária, mas a extrema unção
confere maior perfeição.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. O
matrimônio visa ao bem comum corporal. Mas o bem comum espiritual de
toda a Igreja está contido substancialmente no próprio sacramento da Eucaristia.
2. A ordem e
a confirmação destinam fiéis cristãos para determinada função especial,
o que pertence à função do príncipe. Por isso, administrar esses
sacramentos cabe só ao bispo que, na Igreja, é como o príncipe. O
sacramento, porém, da Eucaristia, não destina para nenhuma função;
antes, este sacramento é a finalidade de todas as funções.
3. O caráter
sacramental é uma participação no sacerdócio de Cristo. Por isso, o
sacramento que une o homem ao próprio Cristo é mais digno que o que
imprime o caráter de Cristo.
4. O
argumento procede do ponto de vista da necessidade: o batismo é o
principal sacramento por ser o mais necessário. Do mesmo modo a ordem e a
confirmação gozam de certa preeminência por causa do ministro que os
administra, e o matrimônio, por seu significado. Pois nada impede que
algo seja, sob determinado ponto de vista, o mais digno e, no entanto,
tomado em absoluto, não o seja.
Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica III, q.65, a.3
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