ihu - O livro “The Vision of Catholic Social Thought: The Virtue of Solidarity and the Praxis of Human Rights” [A visão do pensamento social católico: A virtude da solidariedade e a práxis dos direitos humanos], de Meghan J. Clark, publicado por Fortress Press, foi analisado por Michael Sean Winters, autor de “Left at the Altar: How the Democrats Lost the Catholics and How the Catholics Can Save the Democrats”. [Abandonados no altar: Como os democratas perderam os católicos e como os católicos podem salvar os democratas], em resenha publicada pelo National Catholic Reporter, 18-02-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis a resenha.
O novo livro de Meghan Clark, “The 
Vision of Catholic Social Thought: The Virtue of Solidarity and the 
Praxis of Human Rights” [A visão do pensamento social católico: A 
virtude da solidariedade e a práxis dos direitos humanos], realiza 
muitas coisas. Clark não só resume alguns dos aspectos e
 desenvolvimentos mais importantes no ensinamento social da Igreja 
recente, ela também desbrava um novo território e, o que é mais 
importante, elucida os seus fundamentos.
O cânone dos direitos humanos, começando com a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, entrou no discurso da Igreja Católica com a encíclica “Pacem in Terris” do Papa João XXIII,
 promulgada em 1963. Mas, dado o quadro intelectual diferente do 
raciocínio moral tradicional católico a partir da filosofia política 
liberal dominante da qual o cânone surgiu, a abordagem católica aos 
direitos continha ênfases alternativas desde o começo. Clark
 observa: “Como é característico da ética católica, [os direitos 
enumerados por João XXIII] estão contextualizados dentro da comunidade e
 ligados a deveres associados”.
Em 1967, o Papa Paulo VI desenvolveu ainda mais o cânone católico dos direitos humanos [na encíclica] “Populorum Progressio”, acrescentando o “direito ao desenvolvimento”. Clark
 nota, com razão: “A listagem de um direito ao desenvolvimento como um 
direito humano é um importante acréscimo na tradição católica dos 
direitos humanos e claramente aponta para a aplicação prática de um foco
 na comunidade”.
Para os católicos, os direitos humanos continuam sendo abstratos, 
individualizados e exclusivamente ocidentais. Eles estão 
contextualizados pelas circunstâncias vividas pelas pessoas, seja no 
plano individual ou comunitário. Por exemplo, a liberdade de imprensa
 é uma grande coisa, mas não exatamente uma prioridade em países onde os
 pais não podem alimentar seus filhos. Passariam 20 anos até que o 
cânone secular dos direitos humanos incluísse os direitos 
socioeconômicos como o direito ao desenvolvimento.
Mais adiante no livro, Clark traz a tradição católica dos direitos humanos num diálogo com o economista e filósofo ganhador do Prêmio Nobel Amartya Sen
 para iluminar as semelhanças e diferenças entre as suas perspectivas. 
Há um acordo mútuo em grande parte, mas as bases, os fundamentos 
diferem.
“O pensamento social católico localiza o fundamento para os direitos 
humanos na visão da pessoa humana e da comunidade”, escreve Clark. “Em contraste, Amartya Sen
 introduz uma teoria secular dos direitos humanos que lida tanto com as 
distinções éticas através do uso de uma filosofia kantiana quanto com a 
economia de Adam Smith”.
Como era de se esperar, no pensamento de Sen, “a comunidade é 
relegada a um papel instrumental”. Para os católicos, os direitos 
individuais estão sempre embutidos nas relações societárias e aí elas se
 encontram com a obrigação moral da solidariedade.
Clark observa que, em comparação com o claro 
desenvolvimento das ideias católicas sobre os direitos humanos, a 
solidariedade tem uma história mais imprecisa. A autora escreve que, na 
[Constituição Pastoral] “Gaudium et Spes” do Concílio Vaticano II,
 a solidariedade é estabelecida como um conceito muito mais rico do que o
 Estado, embora este não esteja excluído de sua expressão. Depois do 
Concílio, Paulo VI tomou para si este tema.
“Ao mostrar a influência profunda de pensadores católicos como Jacques Maritain, Paulo VI
 é claro ao dizer que o desenvolvimento e a solidariedade são sempre 
tanto pessoal quanto comunal; um não pode existir sem o outro no bem 
comum”, escreve Clark.
Com o Papa João Paulo II, o 
personalismo se torna um construto filosófico central em suas três 
principais encíclicas sociais. Para ele, a pessoa é sempre um ser 
social. Por fim, com o Papa Bento XVI, o princípio teológico de “caritas” se torna a chave hermenêutica para se compreender e expressar a solidariedade.
Com o passar do tempo, a solidariedade foi caracterizada 
diferentemente no ensinamento da Igreja como um “sentimento, uma 
atitude, um dever e, finalmente, uma virtude”. O foco da autora sobre a 
solidariedade como uma virtude, especialmente quando apresenta um 
contraste dela com os vários vícios opostos – como o “excessivo 
individualismo” –, é de vital importância. Numa época em que o 
libertarianismo tinha presença tanto na esquerda quanto na direita 
políticas, a compreensão da Igreja sobre a virtude da solidariedade se 
faz necessária.
Clark também explica como a visão do ensinamento 
social católicos requer um compromisso com os direitos humanos que 
necessita da virtude da solidariedade. Diferentemente da compreensão 
estreita de Amartya Sen,
 compreensão individualizada dos direitos humanos, os católicos 
acreditam que a existência de direitos cria uma obrigação não somente 
com respeito a estes direitos nos outros, mas também com respeito ao 
trabalho pelas condições sociais que permitem que tais direitos sejam 
exercidos significativamente.
A contribuição mais importante deste livro, no entanto, é a análise 
que a autora faz da antropologia filosófica e teológica que sustenta o 
ensinamento social católico. Em face aos críticos conservadores, que 
questionam o valor ou a natureza vinculativa dos ensinamentos da Igreja 
sobre a justiça social, Clark demonstra que estes 
ensinamentos se baseiam exatamente nos mesmos princípios que embasam os 
ensinamentos da Igreja sobre a sexualidade humana e a dignidade da vida 
humana.
A pessoa humana é criada à imagem de Deus, mas, para o cristão, este Deus é trinitário. Assim, a “imago dei” é uma “imago trinitas”.
 A excelência moral humana, concebida como privada, como realização 
individualizada, não é suficiente. A Igreja ensina, e o católico é 
chamado, a imaginar e trabalhar por uma sociedade em que os laços de 
solidariedade assumam como padrão o amor infinito, inefável e oblativo, 
que é a Trindade Santa.
O Credo Niceno que recitamos todos os domingos não 
menciona nenhuma pretensão ética em particular. Ele não proíbe o aborto 
nem defende o salário mínimo. Mas, na interpretação de Clark,
 todos os ensinamentos da Igreja originam-se numa compreensão da pessoa 
humana que é, por sua vez, originada no Deus trino que confessamos no 
Credo. Esta relação nunca havia sido tão concisa e habilmente 
demonstrada como conseguiu fazer Meghan J. Clark.
 
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