quarta-feira, 3 de julho de 2019

Padres casados, 'viri suspendi'

[domtotal]
Por Pepe Mallo

Até que a disciplina inventada do celibato seja desdogmatizada, só teremos clericalismo e autorreferencialidade na Igreja.


Um padre bizantino celibatário e um casado com seu filho. (Reprodução/ National Catholic Register)

"Confirmado: O Sínodo da Amazônia discutirá a abertura do sacerdócio para homens e mulheres casados", anunciou o site Religión Digital no dia 17 de junho de 2019.
Isso já se via chegar. A informação nos foi fornecida em conta-gotas – dinâmica típica da diplomacia vaticana. Passamos do boato, para a notificação pública, a partir de janeiro de 2018, quando um balão foi liberado no ar: "A Santa Sé planeja ordenar padres a "anciãos casados". Não muito tempo atrás, o Cardeal Kasper disse que "se os bispos pedissem padres casados, o papa iria aceitá-lo".
Mais recentemente, foi especificado pela proximidade do evento que "Francisco estabeleceu a possibilidade de ordenar homens casados se solicitado pelo Sínodo da Amazônia". E finalmente a bomba. "Confirmado: os 'viri probati', 'a-probati'".

Qual será o impacto dessa decisão de "homens casados"?

Boas notícias de que os padres podem ser ordenados em áreas "onde sua escassez é muito severa". Porém, a medida parece insuficiente se for entendida exclusivamente dentro das regiões amazônicas. Certamente a necessidade de padres existe e é mais imperativa em algumas partes do mundo.
Nos últimos anos, a Igreja sofreu uma hemorragia deplorável de abandonos e, não menos penosa, escassez de vocações para o ministério ordenado. Mas você não precisa viajar para a Amazônia, para ver isso. Em muitas aldeias da Espanha, principalmente nas áreas rurais, a "escassez severa" de ministros ordenados é angustiante e algumas igrejas ostentam um edifícios solitários e desolados, alguns em ruínas por falta de uso. Ou paróquias de cidades que são desmanteladas para serem transformadas em supermercados, como aconteceu em Bilbao.

Desequilíbrio perigoso e desigualdade discriminatória

Limitar a ordenação de homens casados só nas regiões amazônicas representam um desequilíbrio indesejável e perigoso e uma alarmante desigualdade discriminatória para outros territórios, mais perto de nós, também na necessidade de ministros que celebrem a Eucaristia, sacramento da nossa fé. A assistência espiritual de todos os fiéis e em todo o mundo, não apenas de uma parte da Igreja, deve ter precedência sobre as leis eclesiásticas que são modificáveis, como é o caso do celibato obrigatório.

Entre os jovens, não há "viri probati"?

Por outro lado, fala-se dos "viri probati" como "homens anciãos casados". Eu me pergunto se não há "viri probati" entre os jovens. Que contrassenso! A idade média dos padres é agora superior a 60 anos. Se você escolher pessoas "mais velhas" novamente, a porcentagem aumentará consideravelmente. E mais ainda, se é sobre "idosos" aposentados ou perto da aposentadoria, há de se dizer "viva a gerontocracia"!
Penso que a Igreja, sem depreciar ou desprezar a capacidade, experiência e potencial dos padres mais velhos, precisa também de jovens idôneos, preparados e eficientes, mesmo que sejam casados. Eles podem ser também preparados e eficientes, mesmo estando casados, que dinamizem, rejuvenesçam e vigorizem as comunidades paroquiais envelhecidas e infantilizadas. Também neste aspecto é evidente essa discriminação lamentável à qual a Igreja nos habituou.

Como essa ordenação dos "viri-probati" afetará os padres que deixaram o ministério para se casar?

Receio que este numeroso grupo, que sempre foi "desaprovado", discriminado e invisibilizado, os "viri suspensi", nem sequer sejam mencionados. Suspensos, não só de suas funções ministeriais, mas de qualquer chance de recuperar sua honra arrebatada.
Se a principal razão para a ordenação presbiteral de casados é a escassez, por que a Igreja continua lhes negando o acesso ao desenvolvimento de seu ministério, quando se propõe a ordem a outros casados e admite sem restrições ministros casados provenientes do anglicanismo? Isso representa uma decisão incoerente e paradoxal frente aos objetivos a serem alcançados. Pura caricatura. De novo uma severa, rigorosa, implacável e até cruel "queixa comparativa" em relação ao restante dos fieis.
Não se trata de uma guerra entre "viri a-probati" e "viri suspensi" na qual estes defendem seus direitos violados. Isso é para corrigir uma injustiça secular e por fim aos atrasos e abusos que o coletivo de padres casados sofreu e continua sofrendo,  fruto de um fanatismo sectário e truculento, de preconceitos arcaicos e práticas ancestrais injustas. O objetivo é estabelecer de verdade uma igualdade que não apenas reconheça a lei, mas que se reflita na vida cotidiana onde ainda há uma flagrante discriminação, sem medidas puramente coercitivas. O maior desafio é, mais uma vez, integrar permanentemente ou isolar permanentemente os padres casados.

Que significado terá para a abolição do celibato compulsório?

Algumas pessoas dizem que a proposta, sobre a qual o Papa Francisco teria uma avaliação positiva, constitui uma flexibilização histórica em relação ao celibato. Uma reviravolta histórica, um primeiro passo oficial para tornar o celibato mais flexível em termos muito precisos. Não adiro a este postulado; mantenho-me num ceticismo prudente ou, melhor, numa reservada incredulidade. Lembremo-nos que Francisco, embora agora timidamente tente abrir uma janela, recusa-se a abrir as portas à abolição do celibato obrigatório. Suas palavras ainda flutuam "no ar": "Não estou de acordo em permitir o celibato opcional. Não o farei. Isso é claro". "Não sinto que devo me colocar diante de Deus com essa decisão". "Está claro que Francisco demonstra um medo perceptível. Não medo de Deus, Pai amoroso, mas de certos "irmãos em Cristo" semelhantes a Cain.

De volta ao Evangelho: comunidade-ministérios

Até que a disciplina inventada do celibato seja desdogmatizada, só teremos clericalismo e autorreferencialidade na Igreja. Penso que o fundamental é superar o clericalismo, que faz da comunidade cristã uma comunidade radicalmente desigual. É necessário passar do esquema clero-leigos para o esquema de comunidade-ministérios. A reforma, obviamente, coloca desafios importantes.


Publicado originalmente por Religión Digital.

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