Brilham nele,
sobretudo, as virtudes da vida oculta, em grau proporcionado ao da graça
santificante: a virgindade, a humildade, a pobreza, a paciência, a
prudência, a fidelidade ― que não pode ser quebrantada por nenhum perigo
― a simplicidade, a fé esclarecida pelos dons do Espírito Santo, a
confiança em Deus e a mais perfeita caridade. Guardou o depósito que lhe
foi confiado com uma fidelidade proporcionada ao preço desse tesouro
inestimável. Cumpriu o preceito: Depositum custodi, guarda o que te foi confiado.
Sobre essas virtudes da vida oculta, Bossuet faz estas considerações gerais (30):
“É
um vício comum nos homens entregar-se inteiramente às coisas exteriores
e desprezar o interior; trabalhar para as aparências e adornos e
menosprezar o efectivo e o sólido; preocupar-se com fazer parecer e não
com o que deve realmente ser. Por isso são estimadas as virtudes que
envolvem negócios e ocupações e exigem o trato com a sociedade; ao
contrário, as virtudes ocultas e interiores, que não levam em conta o
público, onde tudo se passa entre Deus e a alma, não só não são
praticadas, mas não são sequer compreendidas. E, não obstante, nesse
segredo reside todo o mistério da virtude verdadeira... É preciso formar
um homem em seu verdadeiro sentido antes de pensar que lugar ocupará
entre os outros; e se não se trabalhar sobre essa base, todas as outras
virtudes, por mais brilhantes que possam ser, não serão mais que
virtudes de vã ostentação... elas não formam o homem segundo o coração
de Deus. Ao contrário, José, homem simples, buscou a Deus; José, homem
desprendido, encontrou a Deus; José, homem reservado, desfrutou de
Deus”.
A
humildade de José consolidou-se ao considerar a gratuidade de sua
vocação excepcional. Ele deve ter dito a si mesmo muitas vezes: por que
razão o Altíssimo me deu o Seu Filho Unigénito para custodiá-Lo, a mim,
José, antes que a este ou àquele outro homem da Judeia, da Galileia, ou
de outra região e de outro século? Foi unicamente o beneplácito de Deus,
beneplácito que é por si mesmo a razão e o motivo pelo qual José foi
livremente preferido, escolhido e predestinado desde toda a eternidade,
antes deste ou daquele outro homem, a quem o Senhor poderia ter
concedido os mesmos dons e a mesma fidelidade para prepará-lo para essa
excepcional missão. Vemos nessa predestinação um reflexo fiel da
gratuidade da predestinação de Cristo e de Maria.
O
conhecimento do valor dessa graça e da sua gratuidade absoluta, longe
de prejudicar a humildade de José, confirmou-a. Ele pensava no seu
coração: “O que tens que não recebeste?”.
José
aparece como o mais humilde de todos os santos depois de Maria; mais
humilde que qualquer um dos anjos; e se é o mais humilde, é por isso
mesmo o maior de todos, porque todas as virtudes estando conexas, a
profundeza da humildade é proporcionada à elevação da sua caridade, como
a raiz da árvore é tanto mais profunda quanto mais alta ela é: “Aquele
dentre vós todos que é o menor”, disse Jesus, “este será o maior” (31).
Como
nota ainda Bossuet: “Possuindo o maior dos tesouros por uma graça
extraordinária do Pai Eterno, José, longe de vangloriar-se desses dons
ou de revelar as suas vantagens, oculta-se o quanto pode dos olhos dos
mortais, desfrutando pacificamente com Deus do mistério que lhe é
revelado e das riquezas infinitas que o Altíssimo colocou a seu encargo”
(32). “José tem em sua casa motivos para atrair todos os olhares da
Terra, e o mundo não o conhece; possui um Deus Homem, e não diz nenhuma
palavra; é testemunho de um mistério tão extraordinário, e o aprecia em
segredo, sem o divulgar” (33).
A
sua fé é inquebrantável, apesar da obscuridade do mistério inesperado. A
palavra de Deus transmitida pelo anjo esclarece-lhe a concepção
virginal do Salvador: José poderia ter hesitado em acreditar em algo tão
extraordinário, mas acreditou firmemente com a simplicidade do seu
coração. Por sua simplicidade e humildade, ele ascende às alturas de
Deus.
A
obscuridade não tarda em reaparecer: José era pobre antes de ter
recebido o segredo do Altíssimo, mas tornou-se ainda mais pobre ―
observa Bossuet ― quando Jesus veio ao mundo, porque Ele veio com Sua
abnegação e desprendimento de tudo para unir-Se a Deus. Não há lugar
para o Salvador no último dos albergues de Belém. José deve ter sofrido
ao ver que não tinha nada para oferecer a Maria e a seu Filho.
A
sua confiança em Deus manifestou-se nas provações, pois a perseguição
começou logo após o nascimento de Jesus. Herodes pretendia matá-Lo. O
chefe da Sagrada Família devia esconder Nosso Senhor, partir para um
país distante, onde ninguém o conhecia e onde não sabia como poderia
ganhar a vida. Partiu, colocando toda a sua confiança na Providência.
O
seu amor a Deus e às almas não cessa de crescer na vida oculta de
Nazaré, pela influência constante do Verbo feito carne, o foco de graças
sempre novas e sempre mais elevadas para as almas dóceis, que colocam
toda a sua confiança em Deus e não põem nenhum obstáculo às graças que
Ele lhes quer dar.
Dissemos
antes, a propósito do progresso espiritual em Maria, que a ascensão
dessas almas é uniformemente acelerada, quer dizer, que se dirigem tanto
mais rapidamente para Deus quanto mais se aproximam d’Ele e Deus as
atrai mais a Si. Essa lei da gravitação espiritual das almas realizou-se
exactamente em José; a caridade não parou de aumentar nele, sempre mais
prontamente até à sua morte; o progresso de seus últimos anos foi mais
acelerado que o dos primeiros anos, porque encontrando-se mais perto de
Deus, era mais fortemente atraído por Ele.
Com
as virtudes teologais, cresceram também incessantemente nele os sete
dons do Espírito Santo, que são conexos com a caridade. Os dons de
inteligência e de sabedoria tornavam a sua fé viva cada vez mais
penetrante e deleitável. Com fórmulas extremamente simples, mas muito
elevadas, a sua contemplação dirigia-se à infinita bondade do Altíssimo.
Essa foi, na sua simplicidade, a contemplação sobrenatural mais sublime
depois da de Maria.
Essa
contemplação amorosa lhe era muito doce, mas exigia a mais perfeita
abnegação e o mais doloroso dos sacrifícios, quando recordava as
palavras do velho Simeão: “Este menino será um sinal de contradição”, e
as dirigidas a Maria: “Uma espada de dor transpassará a tua alma”. A
aceitação do mistério da Redenção por meio do sofrimento apareceu para
José como a consumação dolorosa do mistério da Encarnação, e ele
necessitava de toda a generosidade do seu amor para oferecer a Deus, no
sacrifício supremo, o Menino Jesus e a sua Santíssima Mãe, a quem amava
infinitamente mais do que a sua própria vida.
A
morte de São José foi uma morte privilegiada; assim como a da
Santíssima Virgem, foi ― disse São Francisco de Sales ― uma morte de
amor (34). O santo admite também, com Suárez, que José estava entre os
santos que, segundo São Mateus (35), ressuscitaram após a Ressurreição
de Nosso Senhor e manifestaram-se na cidade de Jerusalém; ele argumenta
que essas ressurreições foram definitivas e que José entrou no Céu em
corpo e alma. Santo Tomás é muito mais reservado sobre esse ponto:
depois de ter admitido que as ressurreições que se seguiram à de Jesus
foram definitivas (36), mais tarde, examinando as razões contrárias
aduzidas por Santo Agostinho, concluiu que estas são muito mais sólidas
(37).
in 'A predestinação de São José e sua eminente santidade'
Notas:
30. Segundo panegírico de São José, exórdio.
31. Lc 9, 48.
32. Primeiro panegírico de São José, exórdio.
33. Segundo panegírico de São José, ponto terceiro.
34. Tratado do Amor de Deus, 1. VII, c. XIII.
35. Mt 27, 52 ss.
36. IV Sent. 1. IV, dist 42, q. 1, a. 3
37. Cf. IIIª, q. 53, a. 3, ad 2.
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