Apesar de se recusar a conceder divórcio à ex-mulher, médico Meir Kin consegue que rabino celebre seu novo casamento em Las Vegas
O casal. Meir Kin conduz a noiva, a brasileira Daniela Barbosa, momentos após o casamento, em Las Vegas ISAAC BREKKEN / NYT |
NOVA YORK — Enquanto os noivos oficializavam o casamento diante de um
rabino e algumas dezenas de convidados, numa casa de eventos em Las
Vegas, semana passada, cerca de 30 manifestantes gritavam, cartazes à
mão, do lado de fora:
— Bígamo! Tenha vergonha! Dê a ela o get!
Meir
Kin é separado há mais de sete anos, mas se recusa a conceder à
ex-mulher, Lonna Kin, o documento que a lei judaica ortodoxa exige para
que um casamento seja encerrado. Lonna, portanto, é uma agunah (algo
como mulher acorrentada, em hebraico), e, sem o get, não pode se casar
novamente ou ter filhos da sua religião. Os homens judeus também são
proibidos ter mais de uma mulher — a não ser com a permissão de cem
rabinos, o que os muitos líderes de congregações judaicas que
protestavam na porta da festa garantem que não aconteceu com Kin.
O
episódio — que foi parar na primeira página do “New York Times” — virou
símbolo de uma crise entre judeus ortodoxos que ganha ecos fora da
comunidade: como só o marido pode conceder o divórcio, centenas de
mulheres lutam para se libertar de casamentos religiosos nos EUA, em
pleno século XXI. Detalhes: a nova mulher de Kin, Daniela Cristina Motta
Barbosa, é brasileira de Arapiraca, em Alagoas. E o próprio teria
nascido em São Paulo, de mãe brasileira e pai israelense.
— É uma
situação singular. Tão rara que só vimos isso, um homem que se recusou a
dar o get conseguir se casar novamente, uma vez, vários anos atrás. E
nos dois casos foi o mesmo rabino que recasou e deu o mesmo tipo de
apoio ao marido — diz o rabino de Nova York Jeremy Stern, diretor
executivo da ORA (Organization for the Resolution of Agunot), que se
define como “a única organização não lucrativa direcionada à crise das
agunah caso a caso no mundo todo” e organizou o protesto em Las Vegas. —
Não há dúvida de que estamos diante de uma grave violação da lei
judaica.
500 mil dólares e custódia do filho
Segundo
os defensores de Lonna, o rabino Tzvi Dov Abraham — que tem evitado a
imprensa — viajou de Monsey, em Nova York, onde mora, para oficializar o
casamento de Kin e Daniela. Procurado pelo GLOBO, o novo casal também
não respondeu a telefonemas ou e-mails. Dele, sabe-se que é médico e,
segundo a ex-mulher, além de ter nascido no Brasil, chegou a morar no
México e em Israel até se radicar, ainda bem jovem, nos EUA. Mudou-se de
Monsey para Los Angeles após o divórcio e, mais recentemente, para Las
Vegas. Ela, por sua vez, é médica nefrologista e trabalhava até o início
do ano na clínica Otomed, que pertence ao pai, José Luiz, em Arapiraca.
Segundo uma funcionária da clínica, Daniela foi para os EUA “um pouco
antes do carnaval”. José Luiz se recusou a atender a reportagem,
mandando dizer apenas que “não sabe de nada, não acompanhou nada”.
—
Ouvi dizer que ela se converteu à religião judaica. Tenho pena. O que
mais me perturba é que essa mulher provavelmente não sabe onde está se
metendo. Acho que ela não sabia de nada e, se quiser sair desse
casamento, também vai precisar de um get — pondera Lonna.
A
agunah, uma corretora imobiliária de 52 anos, nasceu na Califórnia e
mora em Monsey com o menino que teve com Kin, de 12 anos, e três dos
quatro filhos do primeiro casamento. Ela conta que precisou dar a
custódia do outro em troca do get no divórcio anterior. Desta vez, Lonna
acusa, Kin pediu US$ 500 mil, além da custódia de Moshe:
— Ele
tenta me extorquir. Mas me prometi que jamais faria isso de novo. Mesmo
que queira me casar mais uma vez, nunca vou deixar as minhas crianças.
Prefiro ficar sem o get, mas com os meus filhos.
De acordo com
Lonna, Moshe visita o pai com frequência — “todas as férias de inverno,
três semanas no verão e em alguns feriados judaicos” —, mas não foi
avisado do casamento.
— Eu só soube uma semana e meia antes,
porque Kin pediu para um rabino de Las Vegas oficializar a cerimônia, e
ele, quando viu que eu ainda não tinha recebido o get, recusou, então a
notícia se espalhou — diz.
Ativa na internet, a campanha Free
Lonna encontra alguns blogs anônimos contrários à sua versão. Eles
defendem que o get está à sua disposição com o rabino Abraham.
— O
problema é que esse rabino já foi denunciado por diversas autoridades
nos EUA e em Israel. Incontáveis líderes dizem que não aceitam um
documento de divórcio assinado por essa corte judaica em particular. E
de acordo com as leis judaicas o get, para ter validade, tem que ser
concedido incondicionalmente — reclama Lonna. — Eu estive com o rabino
Abraham. Ele me pediu US$ 150 mil e que eu assinasse um acordo
arbitrário que poderia reverter a custódia do Moshe.
Casos que se repetem
O
rabino Jeremy Stern diz que é procurado a cada ano por cerca de 150
mulheres com dificuldade no processo do divórcio judaico. Atualmente, a
ORA trabalha em 50 casos. A estratégia consiste, em parte, em
envergonhar publicamente o homem que se recusa a conceder o get e
pressionar para que ele seja exilado da comunidade judaica local, além
de promover a adoção universal de um acordo pré-nupcial que que dispensa
o get em caso de divórcio.
— A recusa em conceder o get é uma
forma de abuso doméstico. As motivações incluem usar o divórcio como
chantagem para conseguir dinheiro, tentar a custódia de crianças, forçar
a mulher a voltar para o relacionamento — considera Stern.
Lonna
comemora o fato de, na Califórnia, alguns rabinos “com a mente mais
aberta” estarem considerando a autorização de pactos pós-nupciais para
evitar que o problema se espalhe.
— As pessoas da comunidade
estão chateadas de ver um caso desses acontecer nos EUA. Os rabinos não
querem que outros homens se tornem bígamos, estão com medo do que esse
precedente pode causar. E por isso estão botando muita pressão. Estamos
diante de uma grande crise. Deveríamos estar instituindo o acordo
pré-nupcial, fazer algo na corte judaica, gente como esse rabino Abraham
não deveria existir, a maioria não aceita os papéis dele, mas podem
aparecer outros como ele — alerta. — Uma mulher não pode ser extorquida
dessa forma. Nem muito menos abrir mão de uma criança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário