Alguns dos maiores teólogos que remontam aos primeiros séculos da Igreja falaram de Maria como a verdadeira assistente e parceira de Deus na economia da Redenção.
Por Mônica Miller
“Dois pais nos geraram para a morte; dois pais nos geraram para a vida.”
Esta é uma declaração St. Agostinho proclamou em Sermão 22. Os pais da morte são, é claro, Adão e Eva – como eles inauguraram o pecado original e a Queda do homem. E quem são os pais da vida? Ou seja, de acordo com Agostinho – ninguém menos que Deus e a Virgem Maria. Pode-se argumentar que Agostinho está dizendo, pelo menos em algum nível, que se Maria foi chamada por Deus para fazer parceria com Ele na salvação do mundo, Maria, devidamente compreendida, em união com Deus, é Co-redentora.
A Nota Doutrinária
É claro que estou trazendo isso à luz do novo Dicastério para a Doutrina da Fé Nota Doutrinal Mater Populi Fidelis, emitido em 4 de novembro pelo prefeito do DDF, o cardeal Victor Fernández, com a aprovação do Papa Leão XIV, que rejeita o título de Co-redentora para Maria.
Os artigos 16-21 fornecem uma visão detalhada da origem histórica e do uso do termo que começa com St. Bernardo, no século XII, até o Papa Francisco, que em pelo menos três ocasiões, expressou sua clara oposição ao uso do título de ‘Co-redentora’, argumentando que Maria “nunca desejou apropriar-se de nada de seu Filho para si mesma. Ela nunca se apresentou como co-salvadora. Não, um discípulo” (artigo 21.o). É seguida da seguinte declaração no artigo 22.o:
Dada a necessidade de explicar o papel subordinado de Maria a Cristo na obra da Redenção, não seria apropriado usar o título “Co-redentora” para definir a cooperação de Maria. Este título corre o risco de obscurecer a única mediação salvífica de Cristo e pode, portanto, criar confusão e um desequilíbrio na harmonia das verdades da fé cristã, pois “não há salvação em mais ninguém, pois não há outro nome debaixo do céu dado entre os homens pelo qual devemos ser salvos” (Atos 4:12). Quando uma expressão requer muitas explicações repetidas para evitar que ela se desvie de um significado correto, ela não serve a fé do Povo de Deus e se torna inútil. Neste caso, a expressão “Co-redentora” não ajuda a exaltar Maria como a primeira e principal colaboradora na obra de Redenção e graça, pois carrega o risco de eclipsar o papel exclusivo de Jesus Cristo — o Filho de Deus fez o homem para a nossa salvação, que foi o único capaz de oferecer ao Pai um sacrifício de valor infinito — que não seria uma verdadeira honra para sua Mãe. De fato, como a “serva do Senhor” (Lc. 1:38), Maria nos dirige a Cristo e nos pede para “fazer tudo o que ele lhe disser” (Jo. 2:5).
A Nota não diz que o título de Co-redentora para Maria é herético, mas, sim, “inapropriado” e está desencorajando seu uso pelas razões indicadas. É importante notar que o documento certamente reconhece que Maria é “a primeira e mais importante colaboradora na obra de Redenção e graça”.
Embora, como o editor-chefe da Crisis Magazine tenha apontado, há muitas outras questões que o DDF deve esclarecer e, de fato, este DDF tem sido a causa da confusão, este autor concordaria que o título de Co-redentora Mariana pode ser mal compreendido – tornando o papel de Maria na redenção igual à de Cristo. Além disso, qualquer declaração do Vaticano que formalmente titule Maria como Co-redentora certamente alienaria ainda mais os protestantes que já são muito erroneamente repelidos pela devoção mariana católica.
Igreja Pais e Maria
No entanto, alguns dos maiores teólogos que remontam aos primeiros séculos da Igreja falaram de Maria como a verdadeira assistente e parceira de Deus na economia da Redenção. É interessante e até mesmo prazeroso ver exatamente o que os Padres da Igreja tinham a dizer neste mesmo ponto. Considere estes exemplos:
Sabemos que [Cristo] diante de todas as criaturas, procedeu do Pai por Sua vontade e poder... e por meio da Virgem se tornaram homem, para que por que caminho a desobediência decorrente da serpente teve o seu início, aliás também poderia ter uma ruína. (Justin Martyr, Diálogo com Trypho, 100)
Porque Cristo veio “por meio da Virgem”, a desobediência da primeira mulher é desfeita.
O padre latino do segundo século Tertuliano afirma da mesma forma:
Deus recuperou Sua imagem e semelhança, que o diabo havia apreendido, por uma operação rival. Pois em Eva, ainda virgem, havia rastejado a palavra que era o enquadrador da morte. Igualmente em uma virgem deveria ser introduzida a Palavra de Deus, que era o construtor daquela vida; que o que por um sexo tinha ido para a perdição, pelo mesmo sexo poderia ser trazido de volta à salvação. Eva tinha acreditado na serpente; Maria acreditou no Anjo Gabriel; a culpa que um cometeu por crer, o outro por crer apagado. (Sobre a carne de Cristo, 17)
Tertuliano parece estar dizendo que o “sim” de Maria – invertendo a culpa de Eva – pelo menos foi o início da salvação do mundo.
São. Irineu, o bispo de Lyon do segundo século, fornece uma das passagens mais famosas sobre o papel salvífico de Maria.
Mas Eva era desobediente... Como ela, tendo de fato Adão por marido, mas ainda sendo virgem... tornando-se desobediente tornou-se a causa da morte tanto para si mesma quanto para toda a raça humana, assim também Maria, tendo o homem predestinado, ainda sendo Virgem, sendo obediente, tornou-se tanto para si mesma quanto para toda a raça humana a causa da salvação...Pois, enquanto o Senhor, quando nasceu, foi o primogênito dos mortos, Ele mesmo se tornando o começo dos vivos, desde que Adão se tornou o começo dos moribundos... E assim o nó da desobediência de Eva recebeu seu desperdimento através da obediência de Maria; para o que Eva, uma virgem, ligada pela incredulidade, que Maria, uma virgem, solta pela fé. (Contra Heresias, 3,22,4)
E, embora um tivesse desobedecido a Deus, ainda assim o outro foi atraído para obedecer a Deus; o da Virgem Eva, a Virgem Maria, pode tornar-se o advogado. E, como por uma virgem a raça humana tinha sido amarrada pela morte, por uma virgem ela é salva, o equilíbrio sendo preservado, a desobediência de uma virgem pela obediência de uma virgem. (Contra Heresias, 5,19,1)
Tanto Cristo como Maria são origens da vida. Irineu afirma que Cristo é “o começo dos vivos”, mas isso só é possível através da obediência da Virgem. O santo chega a dizer que a raça humana é salva pela obediência desta Virgem.
Sts.Tradução Cirilo de Jerusalém (Catequese 12, 15; PG 33.742), Efrém Syrus (Opp. Syr. ii), e Epifânio (Haer. 78, 18; PG 42.730), todos também proclamam que Maria é a causa da nova vida em Deus. Maria como fonte de salvação, em contraste com Eva, foi proclamada pela Igreja do século IV Padre St. Jerônimo em quase a forma de um slogan: “Morte por Eva, vida de Maria”.
Maria em Caná
Também devemos considerar o papel de Maria no casamento em Caná. Aqui Maria instiga a missão de seu Filho e o conduz à Paixão.
No terceiro dia houve um casamento em Caná, na Galiléia, e a mãe de Jesus estava lá. Jesus e seus discípulos também foram convidados para a celebração. Em certo ponto, o vinho acabou e a mãe de Jesus lhe disse: “Eles não têm mais vinho”. Jesus respondeu: “Mulher, como essa sua preocupação me envolve? Minha hora ainda não chegou.” Sua mãe instruiu os que esperavam na mesa: “Façam o que ele vos disser”. (João 2:1-5)
Este incidente é notável por uma série de razões. Primeiro, Maria toma a iniciativa na situação. Jesus diz que a falta de vinho é sua preocupação, mas ela obviamente acha que é sua preocupação também e espera que ele faça algo a respeito. Mas, é claro, o casamento em Cana não é simplesmente sobre o reabastecimento de uma bebida alcoólica. As palavras de Jesus “Minha hora ainda não chegou” são a chave para o significado desta passagem. No Evangelho de João, “a hora” refere-se à crucificação de Cristo e Sua entrada na glória. Palavras de Cristo em Caná: “Minha hora ainda não chegou” conectam Seu primeiro milagre à Sua Paixão.
O desempenho do milagre de transformar a água em vinho inaugurará “a Hora”, que é precisamente a razão pela qual Cristo foi concebido e nasceu “da mulher”. O casamento em Caná mostra que Maria não é apenas a “mãe de Jesus”, ela é a mãe de Sua missão. Ela é o principal agente humano na iniciação de Cristo ao Seu ministério público. Maria oficia em Caná. Sua oficiação é dirigida a ajudar seu Filho na realização de Sua obra de redenção.
A qualidade e a quantidade do vinho produzido por Cristo demonstram a importância messiânica de Seu primeiro milagre. Maria sabia a importância do primeiro ato público de Cristo. Ela serve como catalisador da atividade salvífica de Cristo. Porque ela conduz Cristo à Sua Paixão, ela, portanto, também O conduz para a Sua glória. Ela não é a causa desta glória no sentido de que ela deu a Cristo o poder de realizar o milagre. Cristo é Deus, e o poder é Dele. Mas ela age como a origem do milagre no sentido de ser, ousamos dizer, a “mediadora” dela da mesma forma que o “fiat mihi” de Maria faz com que ela media a encarnação. Como Maria trouxe Cristo ao mundo, aqui ela faz com que a glória de Cristo seja manifestada ao mundo. Assim, ela é a origem da fé dos discípulos que vem como resultado do milagre de Caná (João 2:11).
Em Caná, Cristo submete-se a Maria na realização dos negócios de Seu Pai. Ou talvez devêssemos dizer que Cristo, através da mediação da autoridade materna de Maria, discerniu e depois submeteu-se à vontade do Pai. Ela é a Nova Eva, a verdadeira e eficaz companheira de ajuda do Novo Adão. Também é interessante notar o sentido exato da resposta inicial de Jesus ao “Eles não têm mais vinho” de Maria. Muitas traduções da Bíblia têm Jesus respondendo: “Como essa sua preocupação me envolve? Minha hora ainda não chegou”, como vimos no versículo acima. No entanto, no grego literal, Cristo diz a ela: “Mulher, o que é isso para mim e para você? Minha hora ainda não chegou.”
Em relação à hora, a primeira tradução representa uma separação entre Jesus e Sua mãe. Mas no grego original, Jesus realmente inclui Maria em Sua hora. E da Cruz, Cristo se refere a Maria novamente quando Ele diz: “Mulher, eis o seu filho”, indicando João, o discípulo amado, quando, através da Cruz suportada por Jesus, Maria se torna a “Mãe de todos os vivos” – a Mãe de todos aqueles que serão nascidos em vida por, nas palavras de Santo Agostinho, os “pais da vida”.
O ponto que estou fazendo é o seguinte: enquanto a Nota chama o título de “Co-redentora” aplicado a Maria de “inapropriada”, Maria é, no entanto, como confirma a herança teológica e doutrinal da Igreja, o principal co-parceiro de Deus na realização da redenção.
O ensinamento de St. Paulo também ilumina este ponto quando ensina que existe interdependência entre os sexos: “No entanto, no Senhor, a mulher não é independente do homem nem do homem independente da mulher. Da mesma forma que a mulher foi feita do homem, assim o homem é nascido da mulher; e tudo é de Deus” (1 Coríntios 11:11-12).
“O homem nasce da mulher.” Isto é verdade até mesmo do Filho de Deus. Cristo é dependente do poder vivificante de Maria. Ela fez Deus fisicamente presente na história humana para que a salvação pudesse ser realizada. Cristo é de Maria por causa de seu “sim”, por causa de seu “fiat mihi”. “Que me seja feito”, declarou Maria ao anjo. O “sim” de Maria é o começo não só da sua maternidade, mas da Nova Criação. A redenção começou com o “sim” de Maria.
A Carta aos Hebreus também afirma esta verdade quando ensina, a respeito da Antiga Aliança, “é impossível para o sangue de bodes e touros tirar os pecados” (Hebreus 10:4). Os versículos seguintes afirmam em referência a Cristo:
Sacrifício e oferta que não desejaste, mas um corpo que preparaste para mim...Então eu disse: “Como está escrito de mim no livro, vim fazer a tua vontade, ó Deus”.
Primeiro ele diz “Sacrifícios e ofertas, holocaustos e ofertas de pecados, você não deseja ou se delicia” (estes são oferecidos de acordo com as prescrições da lei.) Então ele diz: “Eu vim para fazer a sua vontade.” Em outras palavras, ele tira o primeiro pacto para estabelecer o segundo. Por esta “vontade” fomos santificados através da oferta do corpo de Jesus Cristo, de uma vez por todas. (Hebreus 10:3-10)
E quem é quem tornou possível a “oferta do corpo de Cristo” – e, assim, a realização da redenção? Ninguém menos que Maria na sua cooperação com a vontade de Deus.
Maria como Medianeira
Meu propósito aqui é esclarecer e destacar que, embora, até agora, o Vaticano tenha rejeitado o título mariano “Co-redentora”, no entanto, Maria foi e é a principal colega de trabalho de Deus na missão salvífica de seu Filho. Quanto ao título “Medianeira” aplicado a Maria, o DDF afirma que o título é permitido se devidamente compreendido – afinal, notemos que até mesmo João Paulo II chamou Maria de “Mediatriz” em sua encíclica Redemptoris Mater (Artigo 40).
O papel mediador de Mary é reconhecido na Nota DDF, Artigo 26:
Por outro lado, é claro que Maria teve um papel mediatório real em possibilitar a Encarnação do Filho de Deus em nossa humanidade, já que o Redentor deveria ser “nascido de mulher” (Gal. 4:4). O relato da Anunciação mostra que esta participação não só uma mediação biológica, uma vez que destaca o envolvimento ativo de Maria em fazer perguntas (cf. Lc. 1:29, 34) e aceitando com uma firme determinação: “fiat” (Lc. 1:38). A resposta de Maria abriu as portas da Redenção que toda a humanidade aguardava e que os santos descreviam com drama poético. Na festa de casamento em Caná, Maria cumpre também um papel mediador quando apresenta as necessidades dos recém-casados a Jesus (cf. Jo 2,3) e instrui os servos a seguirem as suas instruções (cf. Em... 2:5).
Tenho mostrado, no entanto, que tudo o que o artigo acima afirma sobre Maria como Medianeira também afirma que ela é uma verdadeira parceira no avanço do trabalho redentor de seu Filho – mais pertinente para um papel de co-parceira, colega de trabalho, “co-redentora”. E, de fato, muitos católicos talvez estejam confusos com a rejeição do DDF do título “Co-redentora” como aplicado a Maria. Afinal, se parece um pato, anda como um pato e fala como um pato – provavelmente é um pato.
E é interessante notar que o documento chega ao ponto de confirmar que qualquer pessoa pode ser parceira de Cristo na salvação, como afirmado no artigo 28:
Ao mesmo tempo, precisamos lembrar que a unicidade da mediação de Cristo é “inclusiva”. Ele permite várias formas de participação no seu plano salvífico, porque, em comunhão com ele, todos nós podemos tornar-nos, de alguma forma, cooperadores com Deus e «mediadores» uns para os outros (cf. 1 Cor. 3:9). Precisamente por causa do poder infinitamente supremo de Cristo, ele pode elevar seus irmãos e irmãs para torná-los capazes de uma cooperação genuína na realização de seus planos.
Se isso pode ser dito de pobres pecadores, certamente pode-se dizer de Maria que ela é a hiper-parceira de Deus e é tão única.
E enquanto a Igreja, por enquanto, não honrará Maria formalmente sob o título de Co-redentora, isso não significa necessariamente que os fiéis não possam, em nossas devoções privadas, honrá-la dessa maneira. E como um comentarista apontou:
A aprovação papal está no final do documento, logo antes das notas finais. Interessante que Leão XIV aprovou a nota, mas não “em forma específica” – o que a tornaria um ensinamento papal real exigindo alto assentimento dos fiéis.
Meu objetivo neste artigo é explicar que, embora o DDF encontre o termo “Co-redentor” “inapropriado” como um título para Maria, no entanto, ela ajudou a Cristo na realização da salvação – ao contrário do artigo da Reuter, infelizmente publicado, que relatou “o Vaticano diz que Maria ... não ajudou [Jesus] a salvar o mundo da condenação”.
Cristo, o “Viver”, e Maria, “Mãe de todos os Vivos”, possuem uma parceria pactual, à medida que a nova humanidade foi produzida através dos “Pais da Vida”. A nova humanidade é estabelecida por esta aliança sagrada. Maria tornou-se a “Mãe de todos os Vivos” pelas dores de nascimento de uma maternidade que levou Nosso Senhor à Cruz.
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Fonte - crisismagazine

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