Às vezes, a gula parece ser o “irmão pobre” dos pecados capitais. Quase ninguém o leva a sério. No entanto, trata-se de um dos pecados mortais e veniais mais frequentes, apesar de muitas vezes aqueles que nele caem nem sequer o considerarem um pecado.
Por Bruno M. Tradução: Equipe Christo Nihil Præponere
Às vezes, a gula parece ser o “irmão pobre” dos pecados capitais. Quase ninguém a leva a sério (exceto as crianças, que são as que, paradoxalmente, levam tudo a sério). Na mente da grande maioria dos católicos, trata-se de um mero “pecadinho” que nunca é grave, muito difícil de cometer na prática e que parece mais uma relíquia de tempos passados e rigoristas do que algo com que tenhamos de nos preocupar.
Como quase sempre acontece quando olhamos com presunção e sentimento de superioridade para os nossos pais na fé, quem não percebe nada somos nós. É verdade que a gula pode ser, e muitas vezes é, um mero pecado venial, mas é absolutamente falso afirmar que nunca é grave. Mais ainda, atrevo-me a dizer que é um dos pecados mortais e veniais mais frequentes, apesar de muitas vezes aqueles que nele caem nem sequer o considerarem um pecado.
Uma das razões do menosprezo com que a gula é tratada é que a maioria das pessoas esqueceu que ela também se refere ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Como a única menção à gula ocorre (na melhor das hipóteses) na catequese infantil, só se fala do excesso na alimentação, que afeta mais as crianças. Esquece-se assim o excesso na bebida, que é o que causa a maioria dos pecados mortais de gula.
Vamos deixar claro, para quem não sabe: embebedar-se é pecado mortal. Sim, mortal (supondo, claro, as condições habituais para todo pecado mortal, ou seja, conhecimento e consentimento). Muitos jovens “da catequese” que se juntam para beber e se embriagam, às vezes até ao sair de convívios, vigílias ou outros atos paroquiais, estão pecando gravemente. A mesma coisa pode ser dita de jovens e adultos que vão a casamentos realizados pela Igreja, banquetes, festas de ano-novo, celebrações, reuniões familiares e um longo etc.
Infelizmente, isso quase nunca é mencionado nas homilias, catequeses ou conferências paroquiais. Depois de muitos anos frequentando regularmente a Missa, estudando em uma escola católica e participando de inúmeras atividades eclesiais, tive de descobrir que embriagar-se era um pecado grave ao ler um livro antigo. No entanto, é isso o que diz a Palavra de Deus com uma advertência solene e terrível: “os bêbados… não herdarão o reino de Deus” (1Cor 6, 10). Santo Tomás também o recorda: “Beber vinho conscientemente até embriagar-se é pecado mortal”, e explica-o da seguinte maneira:
A embriaguez é pecado mortal, porque neste caso o homem priva-se conscientemente do uso da razão, que o leva a praticar a virtude e a afastar-se do pecado. Portanto, peca mortalmente porque se coloca em perigo de pecar. De fato, Santo Ambrósio diz na sua obra De Patriarchis: “Dizemos que é preciso evitar a embriaguez porque nesse estado não podemos evitar os pecados, pois o que evitamos estando sóbrios cometemos sem nos darmos conta quando estamos bêbados. Portanto, a embriaguez é, em si mesma, pecado mortal” (STh II-II 150 2c.).
O uso abusivo de bebidas alcoólicas realmente facilita muito a queda em inúmeros pecados, algo que é particularmente grave no caso das pessoas mais ou menos “boas” que, de outra forma, não os cometeriam. Quando o gato sai, os ratos fazem a festa e, assim que a razão deixa de vigiar por efeito do álcool, as paixões se descontrolam. É especialmente elevado o número de pecados graves contra o quinto e o sexto mandamentos cometidos em consequência da embriaguez.
Não é preciso pensar muito para concluir que o que foi dito sobre o uso abusivo de bebidas alcoólicas aplica-se igualmente ao uso de drogas, pesadas ou leves, lícitas ou ilícitas. Elas também privam do uso da razão e também expõem ao risco de cometer todo tipo de pecado; portanto, o seu consumo é um pecado grave em si mesmo. Há uma diferença, porém: as bebidas alcoólicas podem ser consumidas com moderação e sem pecado. Em contrapartida, as drogas não admitem consumo moderado, porque têm sempre o efeito de alterar a razão, e por isso o seu uso é sempre pecaminoso.
Quanto à comida, é óbvio que hoje se cometem mais pecados veniais de gula do que no passado, pela simples razão de que há mais oportunidades para isso. Quando a comida era um bem mais caro e difícil de obter, era menos provável que as pessoas comessem em excesso. Hoje, em contrapartida, nas sociedades ocidentais (e, frequentemente, também nas outras), até mesmo os mais pobres podem exagerar na comida, como atesta a epidemia de obesidade que assola o mundo moderno.
Falando dos pecados graves e esquecidos da gula, que é o tema que nos ocupa, é preciso salientar que o homem moderno tem uma tendência para substituir a moral pela medicina, de modo que prefere pensar em termos médicos que em termos de culpa ou responsabilidade. Apesar disso (ou precisamente por isso), na pregação é preciso lembrar que comportamentos como a anorexia e a bulimia não são meras doenças, mas, na medida em que não anulam completamente a vontade, constituem também pecados graves contra a temperança. Comer em excesso ou não comer o suficiente a ponto de prejudicar gravemente a saúde é pecado grave e, quando o interessado está consciente disso e o faz voluntariamente, comete pecado mortal, que requer arrependimento, confissão e conversão — não apenas tratamento médico.
Além disso, mesmo quando a vontade chega a um ponto em que é completamente anulada, as origens dessa situação geralmente residem em pecados objetivamente graves contra a temperança, seja por excesso (gula) ou por defeito, às vezes atenuados subjetivamente por diversas circunstâncias difíceis. Não há nada de estranho nisso, pois é algo comum a todos os vícios, que tendem a anular a vontade como consequência da repetição de atos maus, mas continuam sendo pecaminosos porque essa repetição original era culpável. O mesmo acontece com o alcoolismo ou a dependência de drogas, que muitas vezes são justificados como simples “problemas médicos”, mas que moralmente são pecaminosos porque tiveram origem passível de culpa devido à repetição de atos de gula gravemente maus.
Não podemos deixar de falar sobre essas coisas. O cristianismo é a boa-nova de que Jesus Cristo nos liberta do pecado e da morte. No entanto, para que possamos nos beneficiar desta boa notícia, e até mesmo para que possamos compreendê-la, é necessário reconhecer os nossos próprios pecados. Negar a existência de alguns pecados, e omiti-los na pregação e na catequese, é a maneira mais segura de garantir que os cristãos permanecerão por toda a vida mergulhados neles, sem que possam desfrutar da verdadeira liberdade dos filhos de Deus.
Fonte - padrepauloricardo
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